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A missão do formador de presbíteros hoje 20 de Abril de 2021 Uma reflexação sobre a identidade dos formadores do clero a partir do documento “O Dom da Vocacação Presbiteral” Pe. Dejair de Rossi, CM
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Se perguntarmos a um leigo ou leiga qual a missão do formador no Seminário, certamente, responderiam que é formar padres. Mas, se perguntarmos o que é o padre, qual a sua identidade, a sua mis- são, com certeza teriam dificuldades em responder. É que para falar da missão do formador de presbíteros é preciso que antes saibamos qual a sua identidade, sua missão e qual a função do seminário na formação sacerdotal. Por isso, nesta breve reflexão sobre a missão do formador de presbíteros, vamos, inicialmente, ater-nos à identidade do padre como servidor de Deus e dos ir- mãos; depois, falaremos da formação presbiteral como um caminho de configuração a Cristo. Em seguida, abordaremos alguns elementos fundamentais da espiritualidade sacerdotal. Por fim, falaremos da missão do formador e de alguns desafios que se colocam para o exercício de sua missão hoje.

 

1. A identidade sacerdotal como serviço a Deus e aos irmãos

De acordo com o documento da Congregação para o Clero, O Dom da Vocação Presbiteral (DVP), publicado em 2019, todo candidato ao sacerdócio apresenta-se como um mistério no qual se entrelaçam e coexistem dois aspectos de sua humanidade que precisam ser integrados. De um lado os dons e qualidades; de outro, os limites e fragilidades (n. 28).

O compromisso formativo consiste, então, em integrar esses aspectos, sob o influxo da graça, num caminho de fé e de progressivo e harmonioso amadureci- mento dos mesmos, evitando fragmentação, polarização, excessos, superficialidade e parcialidade. O seminarista é chamado a sair de si para caminhar em Cristo, empenhando-se, sob a ação do Espírito Santo, para realizar uma síntese interior, serena e criativa, entre força e fraqueza, a fim de conduzir todos os aspectos de sua personalidade a Cristo, de modo a servir a Deus e ao próximo com liberdade (n. 29).

Embora todo o Povo de Deus seja um Povo sacerdotal (LG n. 17; PO n. 2) e cada fiel batizado possa oferecer “um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12,1), foi da vontade de Deus instituir dentre os fiéis, alguns como ministros que possuíssem o sagrado poder da ordem para oferecer o sacrifício, perdoar os pecados e exercer o ofício sacerdotal. Assim, ao mesmo tempo que são parte inseparável da comunidade eclesial, os sacerdotes são também constituídos pastores e guias do mesmo povo (n. 31).

Em vista desta graça e desta missão, o sacerdote é, então, chamado a cultivar o seu espírito missionário, exercendo a função pastoral de guia, dotado de autoridade; de mestre da Palavra e de ministro dos sacramentos; praticando ao mesmo tempo a paternidade espiritual (n. 33). Portanto, em sua natureza específica, o ministério sacerdotal é interpretado como “serviço à glória de Deus e serviço aos irmãos, no seu sacerdócio batismal” (n. 31), e a identidade presbiteral, fundamentalmente, é servir a Deus e aos seus desígnios, e ao próximo em suas necessidades.

 

2. A formação presbiteral como caminho de configuração a Cristo

Segundo a Carta aos Hebreus, Cristo realizou a missão que lhe foi confiada pelo Pai junto à humanidade de maneira sacerdotal. Sendo santo, inocente e sem mancha, Ele, cheio de misericórdia e compaixão, inter- cedeu por nós (Hb 7,26), com extrema docilidade, selou uma nova e eterna Aliança com o Pai, assumindo na mente e no coração a sua vontade (Hb 8,10), e, com clamor e lágrimas, ofereceu-se a si mesmo como sacrifício (Hb 9,14-15), tornando-se “causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem”(Hb 5,9), e constituindo-se no “sumo sacerdote eminente e eterno” (Hb 5,10).

Como sumo e eterno sacerdote, Jesus realiza uma proximidade singular tanto junto de Deus, como dos homens, apresentando-se ao mesmo tempo como Pastor, Servo e Dom. Como Pastor, Ele reúne, cuida, acompanha e segue as ovelhas perdidas da casa de Israel, conduzindo-as ao redil da casa do Pai (Mt 9,36; 15,24). Como Servo, lava os pés dos discípulos, pede- lhes que façam a mesma coisa, e partilha da nossa dor e sofrimento até a morte na cruz (Jo 13,4-5; Lc 22,24-27). Como Dom, faz-se oferta total de si à Igreja: “Tomai e comei, isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim. (...) Este cálice é a nova aliança do meu sangue, que é derramado por vós” (Lc 22,19-20).

Segundo São João Paulo II, a ordenação presbiteral exige de quem a recebe assumir os mesmos sentimentos e atitudes de Cristo, como bom Pastor, Servo generoso e Dom total a serviço do Povo de Deus, tornando-se “capaz de amar com um coração novo, grande, puro, com um autêntico esquecimento de si mesmo, com dedicação plena, contínua e fiel, juntamente com uma espécie de ciúme divino, com uma ternura que reveste inclusivamente os matizes do afeto materno”(PDV, n. 22). Então, o presbítero, “uni- do intimamente a Cristo, poderá anunciar o evangelho e tornar-se instrumento da misericórdia de Deus; guiar e corrigir; interceder e ter a seu cuidado a vida espiritual dos fiéis que lhe estão confiados, escutar e acolher, correspondendo também às experiências e às questões profundas do nosso tempo”(DVP,n.40).

 

3. Interioridade e Comunhão, elementos fundamentais da espiritualidade presbiteral

De acordo com O Dom da Vocação Presbiteral (PDV), para realizar o cuidado pastoral junto ao povo de Deus, com grande liberdade e espírito evangélico, o presbítero precisa de “sólida formação e maturidade interior”, que vá além de um simples revestimento de hábitos virtuosos e mera obediência formal aos princípios. É necessário que, crescendo na caridade, adquira uma equilibrada e madura capacidade de relacionar-se com o próximo, que lhe propicie aquela serenidade, humana e espiritual, que “superada toda forma de protagonismo e dependência afetiva, lhe permita ser o homem da comunhão, da missão e do diálogo, capaz de consumir-se com generosidade e sacrifício pelo Povo de Deus, contemplando o Senhor que oferece a sua vida pelos outros” (DVP, n. 41). Em síntese, trata-se de cultivar uma vida espiritual centrada na comunhão com Cristo segundo os Mistérios celebrados durante o ano litúrgico, e alimentada pela oração e a meditação da Palavra (DVP, n. 42).

“Nesta relação íntima com o Senhor e na comunhão fraterna, os seminaristas serão acompanhados para que reconheçam e corrijam a ‘mundanidade espiritual ’: a obsessão pela aparência, uma segurança doutrinal ou disciplinar presunçosa, o narcisismo e o autoritarismo, a pretensão de impor-se, o cuidado somente exterior e ostentado com a ação litúrgica, a vangloria, o individualismo, a incapacidade para escutar o outro, e todo gênero de carreirismo. Ao invés disto,sejam educados à simplicidade, à sobriedade, ao diálogo sereno, à autenticidade e, como discípulos na escola do Mestre, aprendam a viver e a trabalhar naquela caridade pastoral que corresponde ao ser “ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 4,1) (PDV, n. 42).

Sendo a formação sacerdotal um caminho de transformação interior, ela deve renovar a mente e o coração do seminarista para distinguir o que é da vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito (Rm 12,2). Deve torná-lo capaz de discernir e pautar a realidade da vida humana à luz do Espírito e assim escolher e decidir de acordo com a vontade divina. Esse discernimento deve começar pela vida pessoal a fim de integrar a própria história e a própria realidade na vida espiritual, de modo que a vocação ao presbiterato não permaneça um ideal abstrato e nem corra o risco de reduzir-se a mera atividade, exterior à consciência pessoal. O que im- plica um humilde e constante trabalho sobre si mesmo, através da abertura honesta à verdade da vida e às reais exigências do ministério. Desse modo, o seminarista aprende a julgar os movimentos e os estímulos que motivam as suas ações, como também a se governar; aprende o sentido do que pode e não se pode fazer, e a administrar as próprias energias, planos e compromissos com equilibrada disciplina, e a si mesmo com um conhecimento honesto dos próprios limites e possibilidades (PDV, n. 43).

Evidentemente que este trabalho interior, como afirma o documento DVP, não é fruto apenas das forças humanas. É dom da graça divina que nos torna capazes de superarmos a nós mesmos, irmos além de nossas necessidades e condicionamentos, para se viver na liberdade dos filhos de Deus. Trata-se, pois, de “um ver interior e de uma visão espiritual do todo que preside ao conjunto da vida e do ministério, através da qual se aprende a agir com paciência e a medir as consequências das próprias ações, independentemente de algumas circunstâncias que tornam difícil um juízo límpido e sereno sobre as coisas” (DVP, n. 43).

 

4. A Missão do formador de presbíteros

À luz do que acaba de ser ex- posto, já temos vários elementos que explicitam para nós a missão do formador, como a de auxiliar o seminarista a se conhecer e integrar seus dons e qualidade, fraquezas e debilidades na própria vida, a de crescer na generosidade e capa- cidade de servir sem reservas, a de configurar-se sempre mais a Cristo pastor, servo e dom; a de crescer na interioridade e na comunhão com os outros. No entanto, o DVP (n. 44-52) apresenta outros elementos que fazem parte da missão do formador.

 

4.1 A nível pessoal

Em vista das várias fases pelas quais passa o seminarista para alcançar um discernimento vocacional e tornar- se um discípulo missionário, faz parte da missão do formador:

a) Relacionar-se de modo sincero, transparente e personalizado com os formandos.

b) Que os colóquios com os seminaristas sejam frequentes, a fim de irem progressivamente se configurando a Cristo.

c) Que o acompanhamento integre todos os aspectos da pessoa humana, como a educação à escuta, ao diálogo, ao verdadeiro significado da obediência e da liberdade interior.

d) Estabelecer e fomentar a confiança recíproca entre formador e formando. Para promovê-la cumpre criar um sereno clima de confiança e de recíproca confidência, proximidade fraterna, empatia, compreensão, idade de escuta e de partilha, e sobretudo de coerente testemunho de vida.

e) Que o acompanhamento esteja presente desde o início do caminho formativo e desde o começo se revista de sério discernimento vocacional. Isso impedirá procrastinar o juízo sobre a identidade para o ministério sacerdotal e a condução do seminarista aos limiares da ordenação sem as condições necessárias.

f) Guardar reserva da vida dos seminaristas e realizar um acompanhamento reto, equilibrado, respeitador da liberdade e da consciência pessoal que os ajude no seu crescimento humano e espiritual.

g) Estar dotado de certas capacidades e recursos humanos, espirituais, pastorais e profissionais; além de uma formação específica e generosa dedicação a esta im- portante missão.

h) Garantir uma presença de tempo integral e ser, antes de tudo, testemunha de como se ama e de como se serve ao Povo de Deus, consumindo-se pela Igreja sem reservas.

 

4.2 A nível comunitário

Considerando que a formação se realiza através de relações inter- pessoais, dos momentos de parti- lha e de confrontos que concorrem para o crescimento do húmus, onde amadurece a vocação presbiteral, segue-se que a vida comunitária é fundamental e iniludível na formação. Em vista disso, O Dom da Vocação Sacerdotal sugere:

i) Que o formador incremente nos formandos uma forte experiência comunitária. Esta é
fundamental para que, ao ser ordenado, o sacerdote se sinta unido aos demais em íntima fraternidade, e, na diocese a cujo serviço está consagrado, como parte de uma família, da qual o bispo é o pai.

ii) Como o presbítero é chamado na Igreja a ser homem da comunhão (PDV, n. 18), durante o período de formação, os elos entre formadores e formandos de- vem ser marcados pela paternidade e pela fraternidade. O que implica que a fraternidade não pode ser deixada ao acaso, às consequências favoráveis, mas deve ser construída através de um crescimento espiritual, que exige empenho constante para superar as diversas formas de individualismo.

iii) Para favorecer o clima de amizade e fraternidade, é importante o Seminário abrir-se ao acolhimento e à partilha com diversas realidades, como as famílias, as pessoas consagradas, os jovens, os estudantes e os pobres.

 

4.3. Alguns desafios

Para concluir estas páginas, lembro que a missão do formador de presbíteros é um desafio permanente, que envolve não apenas o trabalho direto na formação presbiteral e suas implicações, mas também as tendências pre- sentes no mundo atual que influenciam tanto os formandos quanto os formadores.

O padre Vinicius, com a capacidade que lhe é própria, oferece-nos uma lista destes desafios. Aqui retomo alguns:


1. O reducionismo ideológico que nos conduz às ideias convenientes e aos interesses pessoais;
2. A nostalgia do passado, que impede uma abertura ao presente e às suas necessidades;
3. O desejo de novidades que pode conduzir à superficialidade e à perda dos fundamentos;
4. A tentação de baixar o nível, contentando-se com o mínimo;
5. O otimismo vazio que esconde a realidade, camufla omissões, alimenta o comodismo e dispensa esforços para iniciativas mais ousadas;

6. O intelectualismo que, perdido em abstrações, não aterriza na realidade e nem questiona as situações;

7. O pessimismo destrutivo que enfraquece a esperança, apaga a alegria e obstrui a criatividade;
8. O subjetivismo que, muitas vezes restrito a sentimentos e reações primárias, instala-se em apegos e não se abre a novos desafios;

9. O praxismo que subestima o discernimento, a reflexão e muitas vezes se degenera em vazio espiritual e ativismo sem propósito ou significado.

Conclusão

Eis, em linhas gerais e de acordo com o DVP, alguns traços da missão do formador de presbíteros. Não entra- mos em questões intelectuais e outras para não tornar o texto longo e por fugir do objetivo proposto. Esperamos, porém, a nós, que temos o carisma da formação do clero e somos padres, que tais elementos nos despertem para a formação de presbíteros e nos ajudem na nossa vivência pessoal.

Bibliografia

Congregação para o Clero – O DOM DA VOCAÇÃO PRESBITERAL (DVP), Brasília, Edições CNBB, 2019. São João Paulo II – PASTORES DABO VOBIS (PDV), Brasília, Edições CNBB, 1992. Teixeira, Vinícius A. – A IDENTIDADE DA CM NO INÍCIO DE SEU QUINTO CENTENÁRIO(texto avulso), p. 9-10.

Artigo originalmente publicado do Informativo São Vicente ed. 314
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