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Amigos que se querem bem? 20 de Julho de 2023 Pe. Allan Júnio Ferreira, CM
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Uma das mais famosas exortações de São Vicente aos membros da Pequena Companhia é para viverem à maneira de verdadeiros amigos que se querem bem (cf. Regras Comuns VIII, 2). Essa máxima vicentina é repleta de sentido, pois a vida comunitária, especialmente da Vida Religiosa Consagrada (VRC), por vezes carece de relações fraternas e de vínculos duradouros que poderíamos chamar de amizade. São Vicente escreve para seus coirmãos, como um sincero desabafo: se queiram bem, para quererem bem aos mais pobres.

É verdade que o querer bem uns aos outros independe de ser amigos. Posso, por exemplo, desejar e querer o bem de uma pessoa que não faz parte do meu círculo de amizades e que até nutro alguma antipatia. O querer bem ultrapassa as relações de intimidade, pois é mais que isso, é uma questão de humanidade. Não nos esqueçamos que fomos chamados dentro de um contexto relacional e somos enviados para estar com os outros, formando uma comunidade para a missão, ou seja, fomos chamados do meio dos outros para estar com os outros.

O querer está na ordem do desejo e em nossa vida desejamos muitas coisas em todo o instante: desejo estar bem comigo mesmo; ter saúde; alcançar uma realização pessoal, ser feliz etc. Percebe-se que o desejo muitas vezes se encontra envolvido em individualismo. É o sujeito que deseja, que quer, que anseia algo. Certamente quando São Vicente pede aos missionários que estabeleçam relações de amizade e que se queiram bem, não está falando apenas de um sentimento de bem-estar consigo mesmo ou de uma relação efêmera, sem vínculos de amor e humanidade. O querer bem é querer que o outro seja plenamente realizado e respeitado em sua dignidade, mesmo que o outro seja repleto de inconsistências e erros. Querer bem é amar e quem ama atrai para si amigos verdadeiros.

A amizade é de uma profundidade ainda maior, pois está na ordem da intimidade e da familiaridade. Só é meu amigo aquele a quem eu permito entrar em minha intimidade. A Palavra de Deus nos mostra como é preciosa a amizade. Na sapiência bíblica nos diz: “O amigo ama em todo o momento” (Pr 17, 17); “Amigo fiel é poderosa proteção: quem o encontrou, encontrou um tesouro” (Eclo 6, 14). E no Novo Testamento Jesus tece verdadeiras relações de amizade e intimidade com a família de Betânia, a ponto de chorar a perda de um amigo (cf. Jo 11, 1-44). Além disto, Ele vive a sua relação com seus discípulos e discípulas como verdadeira amizade: “Já não vos chamo servos [...] Eu vos chamo amigos” ( Jo 15, 15). A amizade é um dom e como tal devemos cuidar e cultivar.

Os amigos que Deus coloca em nosso caminho, muitas vezes não são nada parecidos conosco. Pense um pouco em suas amizades, quais as semelhanças e quais as diferenças entre vocês? O amigo não é aquele que irá nos preservar das críticas e aprovar as nossas atitudes em todos os momentos. Ao contrário, será aquele que irá discordar veementemente de algum ato inconsequente seu ou alguma postura dúbia que você adotou.

O amigo verdadeiro é aquele que permanece ao seu lado mesmo quando nos encontramos à beira do precipício ou, no fundo do poço. “Os bons amigos partilham o bem e o mal que lhes acontecem” (SV, VII, 2654). Costuma-se dizer que se conhece quem é verdadeiro amigo nas horas das dificuldades e esse ditado popular tem toda razão, pois são, sobretudo, nestas horas que vemos que aquela amizade não é utilitarista, mas gratuita, sem esperar recompensas ou agrados.

Somos chamados a sermos amigos uns dos outros em nossas comunidades. A alegrarmo-nos com as conquistas e vitórias daqueles que convivem conosco, a celebrar cada passo dado na comunidade, na família, no trabalho e nos círculos sociais em que estamos inseridos. São Vicente de Paulo ainda hoje exorta: sejam amigos que se querem bem, não conhecidos ou colegas que tem que se suportar, no sentido negativo da palavra. A vida comunitária é exigente e é uma das dimensões que mais pesam na VRC. Esforcemo-nos para tecer verdadeiras relações de amizade e mesmo que seja um caminho desafiador não deixemos de trilhá-lo, pois é no esforço da caminhada que chegaremos a uma comunidade saudável, humana e feliz.

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