Quem lança um olhar sobre o mundo atual descobre, com preocupação, como cresceram as situações dramáticas: as guerras, as várias violências, o abandono, a persistente incapacidade de justiça e diversos outros desequilíbrios sociais que, distantes de extinguirem-se, tendem a crescer ainda mais, sobretudo a partir das contingências sofridas desde fevereiro de 2020, quando foi percebida a letalidade da Covid-19 e então começaram a ser tomadas as providências pertinentes.
As “estruturas do pecado*1”, baseadas no egoísmo humano se intensificam e com elas crescem os desafios à Missão Universal da Igreja*2. Não podemos ignorar que “A sociedade mundial tem graves falhas estruturais que não são resolvidas apenas com paliativos ou soluções rápidas”*3. Uma falsa concepção de desenvolvimento ou "modernização" traz em si a exclusão de milhões de pessoas. É urgente apelar à “categoria do amor fraterno que vai além de toda pertença, até mesmo da identidade, e é capaz de se concretizar naquele que se“ fez próximo ”. Neste contexto, o mandato missionário de Cristo adquire uma força singular. É urgente destacar o "caráter inclusivo" de seu preceito: "Ide, então, e fazei discípulos de todas as nações*4"...
O propósito da missão está em fazer discípulos. Guiar, sem qualquer tipo de exclusão, no seguimento de Jesus Cristo. É urgente aprender com Ele a categoria do amor fraterno que somos chamados a viver para transformar este mundo que Deus colocou nas nossas mãos. As falhas estruturais originam a exclusão, que afeta de maneira especial a vida dos pobres cujo aumento não para, e acrescenta novas pobrezas. Por isso, os excluídos da sociedade são os que mais precisam ser incluídos na evangelização. Evangelização que, em suma, “é anúncio, é serviço, é gratuidade*5”.
O Papa Francisco destacou, em outubro do ano passado, a necessidade de nos dispormos com maior determinação e audácia pessoal para responder ao apelo da missão: “Estou aqui, envia-me” (Is 6,8). E acrescenta: “Neste contexto, o apelo à missão, o convite a sair de nós mesmos pelo amor de Deus e do próximo, apresenta-se como uma oportunidade de partilha, de serviço, de intercessão. A missão que Deus confia a cada um e nos faz passar do "eu" medroso e fechado ao "eu"redescoberto e renovado pelo dom de si*6. Nada disso é estranho aos missionários da Congregação da Missão. É claro que a Constituição 12.2 convida-nos a "prestar atenção à realidade da sociedade humana, sobretudo às causas da distribuição desigual dos bens no mundo, para melhor cumprir a função profética de evangelizar". Reconhecemos ao mesmo tempo que Deus não nos deixa fora de suas mãos, nem deixa de nos chamar a agir em meio a essas vicissitudes humanas.
Agora sentimos o impulso do espírito de perguntar:
Aos coirmãos que estão se preparando para missões internacionais, aos que já atuam nas mesmas; ou ainda, nas missões interprovinciais; esperamos que todos aqueles que estejam desenvolvendo trabalhos missionários similares possam participar desta construção coletiva.
Isso nos ajudará a refletir sobre nossa identidade missionária em vista da próxima Assembleia Geral. “A caridade de Cristo arde em nós, que se compadece da multidão (cf. Mc 8,2) e é a fonte de toda a nossa atividade apostólica e nos impulsiona, segundo a expressão de São Vicente, a tornar eficaz o Evangelho (SV XII, 84; ES XI, 391). É a força do Amor que enche os nossos corações de fé e esperança e nos impulsiona a viver a nossa dedicação com a mesma força de Jesus Cristo que “ama até o fim” esta humanidade criada pelo seu Pai*7. O Pai Deus*8, que nos enviou em missão, e está escondido, mas presente no grito dos pobres e da humanidade. No seu Amor estamos certos de encontrar os sinais que procuramos em cada cultura, povo e nação para que, ao anunciar a Boa Nova, “todos tenham vida em abundância*9”.
No início desta nova etapa da história, sentimos que o espírito nos impele a procurar, sem desfalecer, "os sinais" da presença de Deus e as "sementes da Palavra" nas nossas missões internacionais e nas várias situações em que colaboramos para fazer discípulos de Cristo. Eles nos guiarão pelos novos caminhos que, “junto com o Povo de Deus” (sinodalmente), devemos percorrer na evangelização de todos os continentes. Precisamos fortalecer a convicção de “remar contra a maré”, de oferecer vida com generosidade e novo testemunho. Vivemos tempos em que é preciso aliar ousadia, coragem e criatividade. “Peço-vos”, disse o Papa Francisco, que se comprometam com paixão… As diversas realidades que representam na Igreja… indicam que o espírito da missão ad gentes deve tornar-se o espírito da missão da Igreja no mundo: ir fora, para escutar o grito dos pobres e dos longínquos, para encontrar-se com todos e anunciar a alegria do Evangelho*10”.
Com o desejo de "tentar abrir novos caminhos e aplicar meios adaptados às circunstâncias de tempo e espaço", nos propomos a nos unir na oração, na reflexão e no discernimento, para a construção de um novo ministério missionário vicentino capaz de "revitalizar" o próprio espírito do nosso carisma.