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Pedagogia Vicentina 23 de Junho de 2020 Pe. Lauro Palú, CM
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Um dos gêmeos, Felipe ou Gustavo, me disse: “Você podia mandar fazer um hotel nessa casa aí detrás do Colégio”. Respondi que eu morava ali, com os outros Padres e os Irmãos da Congregação. Ele comentou: “Você é que é sortudo!” E por que você quer que eu faça um hotel ali? “Para meu Pai e minha Mãe se hospedarem aqui num fim de semana e verem como meu Colégio é bom!” Fiz essa experiência durante valentes vinte anos, nos dois períodos em que fui Diretor do São Vicente (de janeiro de 1980 a setembro de 1986 e de maio de 1999 a fevereiro de 2013): do sábado depois do almoço até segunda cedo, o Colégio vazio é extraordinariamente agradável, silencioso, arejado, bonito, provocado pelas paisagens de todos os lados e palpitante da seiva que corre todos os dias, há 60 anos, por seus pátios, seus corredores, suas salas de aula, suas escadas, seu auditório, sua Capela. E aquele Cristo Redentor lindo nos abençoando... 

Uni-me aos Educadores do São Vicente na década de 1970, quando trabalhava nos nossos Seminários com os livros de Paulo Freire. O que se propunha no Colégio fazíamos no Seminário, com os candidatos da Congregação. Sempre acreditei no valor evangelizador e multiplicador da educação, no caráter essencialmente vicentino de nossa missão atual de Educadores, Formadores e Missionários.

Trabalhar no São Vicente, Professor ou Funcionário, é privilégio e graça de Deus, pela riqueza de sua tradição, na melhor linha começada pelo Caraça e continuada até hoje pelos Coirmãos e pelos milhares de Educadores que deram o melhor de si neste espaço sagrado. Uma das lembranças mais queridas dos vinte anos e alguns meses como Diretor do Colégio aconteceu na saída dos Alunos da tarde. Eu andava por onde os Alunos e Alunas vão embora. Pois foi ali que uma das Mães me disse: “Pe. Lauro, escute só o que o meu Menino acabou de me dizer: 'Mãe, está vendo aquele moço ali? Ele é que é o nosso Diretor. Quando fala com a gente, ele se inclina, para ouvir o que a gente está dizendo, para mostrar o gostamento dele pelos Pequenos'”. Só este “gostamento” tão carinhoso vale um ano inteiro de serviço no São Vicente! A uma TV de São Paulo, que perguntou qual a marca que eu desejaria que ficasse, ao terminar ali meu trabalho, citei esta frase, como característica de minha missão no Colégio.

Noutro dia, por ali mesmo, quando fui falar com um garoto que saía, ele me disse, lealmente: “Sai de perto que eu soltei um pum...” Quando vi um do sexto ano coçando a cabeça, perguntei se estava com piolho. Ele garantiu que não e subiu a escada, mas logo em seguida voltou e disse: “Pra você eu não posso mentir. Estou mesmo com piolho, mas não espalhe...” São duas provas do ambiente que espero ter conseguido criar com todos, Pais, Mestres, Funcionários e Alunos. Crianças e Adolescentes são muito espontâneos e, tratados como gente, conservam essa franqueza até a juventude e amadurecem com a mesma lealdade. 

O difícil é um adulto valorizar uma frase definidora, direta e totalmente verdadeira como esta de agora: um Pai não gostou quando soube que o Filho, chegando da excursão de três dias e duas noites no Caraça, depois de tanta novidade (a viagem de noite, o quarto de muitas camas e a briga de travesseiros, a água geladíssima das cachoeiras e o fogão de lenha para fritar os ovos no café da manhã e derreter o queijo para o pão, as trilhas, a cobra no caminho, o lobo de noite, o silêncio da noite, a lua cheia!, as estrelas que eu fui comentando), o Menino disse assim: “Nem sei se ainda me lembro da cara de meu Pai!” Nunca inventei uma frase genial e bonita como essa, mas eu também tinha a impressão de que os três dias da excursão duravam mais de uma semana, tantas as alegrias que vivemos juntos e as coisas que observamos, aprendemos e fotografamos, o que descobrimos juntos, as risadas, as reações de cada um, a união dos colegas das 4 turmas, pelo menos nesses dias... 

E agora um caso de Mãe que não entendeu a frase do Filho: Tinham passado 5 dias nas cidades históricas de Minas (ainda não iam ao Caraça, mas a São João del Rey, Tiradentes, Ouro Preto, Mariana, Sabará). Esperei na porta do ônibus, quando chegaram. O primeiro que desceu, justo o da Mãe que estava ao meu lado, comentou gloriosamente: “Ô Mãe, precisa ver que legal! Cinco dias sem tomar banho! Cinco dias!” Nem o Aleijadinho, o Ataíde, o Museu do Ouro e o Tiradentes, ninguém e nada alegrou mais o Menino do que esses 5 abençoados dias sem ir ao chuveiro... Minha senhora, não precisa morrer de vergonha. Está vendo como o mundo é rico, inimaginável, fabuloso de bom, uma surpresa atrás da outra?

Num Conselho Pedagógico, reunião semanal da Direção com as Coordenações dos vários serviços e com representantes da Associação de Pais e Mestres e dos Grêmios estudantis, Deus me inspirou uma reflexão que tentamos aprofundar ao longo de vários anos: Trabalhando na educação de nossas crianças, adolescentes e jovens, e também com os de mais idade na Educação de Jovens e Adultos (EJA), podemos cumprir nossa missão como Professores, Educadores e Formadores. (E missionários!, acrescentou o Pe. Maurício de Resende Paulinelli). O Professor trabalha conteúdos, o Educador trabalha atitudes, o Formador trabalha valores. Todos devemos ser, ao mesmo tempo, Professores, Educadores e Formadores

Os CONTEÚDOS, na área da comunicação interpessoal em língua portuguesa, são os sujeitos, verbos e predicados das frases, o singular e o plural, as afirmações, as negações e suas regras, os sinônimos e antônimos, etc. As ATITUDES, na mesma área da comunicação, vão ser a clareza, a lealdade, a veracidade, a fidelidade à palavra, o falar expondo-se e comprometendo-se, o corrigir os erros e voltar atrás, a revisão atenta de nossos textos, a coerência entre o que a frase diz ou sugere, inspira ou supõe, promete ou cobra, e todas as nossas atitudes. E os VALORES, na comunicação interpessoal, são o respeito à palavra dada, o acolhimento e a valorização da opinião dos outros, o comprometimento pessoal com os interesses, os direitos, o ritmo e o tempo de cada um. E a DIMENSÃO MISSIONÁRIA do nosso trabalho num Colégio, numa missão ou paróquia, na área da comunicação, significará a preparação de nossas intervenções (aula ou homilia), o respeito absoluto à liberdade e à dignidade das pessoas, Alunos ou 'Fiéis' de nossos exercícios, a coragem de buscar e trilhar caminhos novos, a busca da verdade sem medos, sem apego ao passado, com a abertura às novidades da ação de Deus e de seu Espírito, na vida social, cultural, política das comunidades, dos povos, das sociedades e civilizações. Assim, vimos nossos Alunos e Alunas nas Academias, nos Movimentos, na Ação Social, na Política, na Medicina, na Magistratura, na Igreja, no Magistério, na Televisão, nas Missões de férias promovidas pela Província, na formação de Professores, em regiões pobres do Brasil.

Nossa Congregação mantém o Colégio São Vicente realizando seu objetivo na Igreja. Nosso fim é seguir Jesus Cristo evangelizador dos Pobres. Este fim se consegue quando cada um se esforça para revestir-se do espírito de Jesus Cristo; trabalha na evangelização dos Pobres, sobretudo dos mais abandonados; ajuda o clero e os leigos na sua formação, levando-os ao serviço dos Pobres. 

Nossa tarefa de Congregação é transmitir este espírito aos Professores e Funcionários. Levá-los a se engajarem conosco nesta missão. Ajudá-los a adquirir este espírito, a viver este carisma, a ter estas preocupações e querer realizar isto. Nossa missão, função e tarefa é ser animadores de toda a Comunidade Educativa, ajudar Pais e Filhos, orientar os Professores, os Funcionários, os Coordenadores, quantos venham unir-se conosco.

Este é o aspecto mais fascinante e desafiador, mais gratificante e exigente do trabalho em nosso Colégio, o que nos distingue essencialmente de outras escolas, cujos horizontes terminem na folha enrolada de um diploma ou na beca de uma formatura festiva e vazia.

O muito sucesso que conseguimos, o acerto habitual nas decisões, a liberdade estimulada na ação, aqui no São Vicente, são frutos espontâneos, maduros, de um esforço enorme de parceria com todos os agentes possíveis, num Colégio, num bairro, numa cultura, num final de milênio, no início do novo milênio, numa proposta conjunta de união decidida, de opção pelos mesmos valores, fruto maduro da parceria, não de cumplicidades. Cumplicidade tem claramente uma conotação negativa: parceria no mal... Por isto, em todas as reuniões com os Pais ou Responsáveis, sempre pedimos parceria, não aceitando nunca nem a mais simples alusão à cumplicidade...

Penso que consegui que avançássemos muito, quando falei claro aos Pais, para ter a parceria de que precisamos. Já disse aos Pais, em nome e em favor de todos os educadores e formadores, que não aceitamos que alguém diga: Estou pagando, tenho direito de exigir. Quando eles pagaram, o filho deles/nosso Aluno não virou mercadoria, nem nós viramos mercadores ou mercenários. Não somos empregados dos Pais; somos servidores, como Jesus Cristo, como São Vicente. 

Nunca foi fácil a parceria, porque os elementos em que nos apoiamos podem até ter o mesmo nome, mas nem sempre coincidem. O exemplo mais claro e mais frequente disto é a questão dos limites que uns acham que temos que impor à Meninada... Sempre me pareceu, e lutei por isto, no total dos vinte anos que passei no Colégio São Vicente, que, em vez de impor limites à Meninada, devemos estimular o crescimento deles. Partindo da liberdade gloriosa de Filhos de Deus, mencionada por São Paulo na Carta aos Romanos (8, 21), nada nos autoriza, em educação, a começar mal assim, pensando que devemos impor limites. A perspectiva em que me situei, todo o tempo, quando fui Diretor do Colégio, foi libertadora, própria para fazer crescer a independência, a autonomia, o espírito crítico, o empreendedorismo, o protagonismo, vendo os Alunos e as Alunas como sujeitos de sua história, de seu destino, de seu crescimento, de sua missão, e não como objetos de nosso ensino, nossas normas, nossos cuidados ou medos...

Para o nosso trabalho, propus o lema: Formar agentes de transformação social, realidade empolgante, que traduzi, para os pequeninos das primeiras séries, em ser felizes e bons. E depois traduzi, para todos, como ser felizes por sermos bons.

Propus nadar contra a correnteza, fazer um Colégio que busque o necessário, o mais decisivo, o melhor. Fazer não porque os outros fazem, nem fazer só para ser diferente dos outros, mas fazer o que é fundamental, o que realmente interessa, façam ou não façam os outros as mesmas coisas.

Sugeri algumas ações de transformação: Monitoria no 1º Ano do Ensino Médio e não apenas na Educação de Jovens e Adultos. Entrar em sala de aula mesmo com atraso, por valorizarmos a presença dos Alunos em sala. Cuidar do silêncio, por tomarmos consciência de que há outros estudando na Casa. Ser alguém de valor em todos os setores de nossa personalidade, não para vencer competições, mas para ser competentes, dever de quem passa por um Colégio como o São Vicente. Cheguei mesmo a sugerir o esforço de não pôr nenhum Aluno para fora da sala de aula, não pôr nenhum Aluno para fora do Colégio, no fim do ano ou em qualquer ocasião, por levarmos a sério a proposta de inclusão que nos veio de uma Campanha da Fraternidade. Para dispensar um Professor ou Funcionário, eu falava: Estamos sentindo que falta em você tal ou qual qualidade, o modo certo de fazer, mais próprio do nosso ideal vicentino. Por isto estamos querendo dispensá-lo. Você acredita que pode reverter esta situação, corrigir o de que não gostamos? Assim, o próprio Funcionário decide, com o Diretor e as Coordenações, se fica ou se se demite... como sujeitos envolvidos numa ação, não como objetos secos de uma decisão alheia...

Estamos com os Educadores, ao lado deles, querendo o mesmo e ajudando-os a quererem sempre mais e melhor. Sonhamos com mais, porque cremos nas pessoas, sabemos que podem, se interessarão e farão mais e melhor, se ajudados.  

Pe. Lauro Palú, CM

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