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60 anos do Concílio Ecumênico Vaticano II 12 de Maio de 2023 O aggiornamento da Igreja segundo o olhar de um padre da missão Pe. Paulo Venuto, CM
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Com poucos meses de Caraça, me intrigava o assunto mais recorrente e comentado: “vai começar o Concílio!”. Concílio ... o que é isso? me perguntava. Por mais que os padres ou alguns colegas mais antigos tentassem explicar, não conseguia entender. Falavam do Papa João XXIII, “aquele velhinho!” De alguma coisa sobre esse “Papa velhinho” me recordava, quando os sinos da Basílica do Seminário de Diamantina dobraram, anunciando a morte de um Papa, em 1958. “É o Pio XII!”, dizia meu pai. Os sinos da mesma Basílica tornaram a soar na eleição do novo Papa. “Vai se chamar João XXIII!”. João como o meu pai. Desses momentos me lembrava, mas o que significava um Concílio...

Só com o tempo, fui aprendendo, na prática, à medida que esta “reunião” dos Bispos do mundo inteiro foi acontecendo. Nas leituras do refeitório, as atas de cada sessão eram lidas em alto e bom som. E nós, enquanto trabalhávamos com os talheres, atentos, acompanhávamos, acostumando-nos com os termos, muitas vezes em latim, difíceis para a cabeça de um menino mal entrado no seminário. Era da lavra do Frei Kloppenburg, OFM, nas páginas da REB, que vinham as notícias sobre as discussões e as decisões tomadas nas muitas sessões. Mais tarde, já cursando teologia, em Petrópolis, mais ciente daquilo que representou o Concílio Vaticano II para a Igreja, tive o próprio Frei Boaventura como professor. Agora, revirando aqui e ali, na memória e nos arquivos, podemos falar de alguns traços desse Concílio.

O Concílio Vaticano II, iniciado em 11 de outubro de 1962, no pontificado de João XXIII, estendeu-se até 8 de dezembro de 1965, no papado de Paulo VI. Ao convocá-lo, no dia 25 de janeiro de 1959, o Papa João XXIII, referiu-se à necessidade de abrir as janelas da Igreja para que o vento do Espírito Santo pudesse entrar e instaurar “a primavera” na Igreja. Trouxe ao debate um jargão – “aggiornamento”, “atualização”, como a marca desse Concílio, no qual vários temas da Igreja foram abordados pelos padres conciliares e se encontram expressos nos documentos aprovados pelo Concílio: quatro constituições, nove decretos e três declarações.

“O Concílio Ecumênico Vaticano II foi uma verdadeira profecia para a vida da Igreja e o continuará sendo, durante muitos anos do terceiro milênio que acaba de iniciar”, disse o Papa Francisco por ocasião dos 60 anos desse evento que trouxe à Igreja um novo tempo. Também, o então Papa Bento XVI, na audiência geral de 10 de outubro de 2012, reconheceu no Concílio “a grande graça de que se beneficiou a Igreja no século XX”. “Quanta riqueza, amados irmãos e irmãs, nas diretrizes que o Concílio Vaticano II nos deu!” foi o dizer do Papa João Paulo II, na Carta Apostólica Novo Millenneo inuente, por ocasião do Grande Jubileu de 2000.

Uma das questões que havia sido perdida e foi retomada é a noção de colegialidade. “O que a maioria das pessoas não percebe é que a colegialidade não foi uma tentativa de 'democratizar' a igreja, como seus inimigos gostam de rotulá-la, e, sim, a recuperação de uma tradição antiga segundo a qual o governo normal da igreja era 'sinodal', isto é, realizado por sínodos ou concílios”, disse o jesuíta e historiador John O’Malley, por ocasião dos 50 anos da realização do Vaticano II.

O Vaticano II não é um concílio como os outros, é um concílio novo que não se caracteriza por definições cristológicas, que não é influenciado pela controvérsia antiprotestante ou pelo restabelecimento da disciplina eclesiástica.

É um concílio que optou pela forma pastoral da doutrina. De fato, representa uma ruptura em relação aos concílios anteriores e ao clima em que o catolicismo evoluía no momento em que se realizou. Com João XXIII e com o Concílio, a Igreja inicia a transformação do dogmatismo, se interessa com os destinatários e com o contexto histórico e cultural em que se movem.

Também para  Pedro A. Ribeiro de Oliveira, o Concílio Vaticano II significou a atualização da pastoral católica. “Muitas mudanças, mas quatro essenciais: Liturgia, para atualizar a forma de expressar coletivamente a Fé; Diálogo com o mundo moderno, e não a Igreja regendo a sociedade; Igreja Povo de Deus, superando a concepção de dois estratos: a hierarquia que governa e o laicato que deve seguir suas ordens; e a Palavra de Deus acessível a todo o Povo de Deus. São os quatro pilares da Igreja modelada a partir da crise da cristandade (Igreja aliada ao Estado, moldando a civilização ocidental). Daí outras consequências: ecumenismo, opção pelos pobres (na América Latina e Caribe), valorização da diocese como Igreja particular, pastoral de conjunto (conferências episcopais), leitura popular da Bíblia, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) em lugar das paróquias, etc.”

Em toda a Igreja, nos anos após o Concílio, principalmente, em nossa América Latina, de modo especial, o seu espírito fez brotar um novo “modo de ser Igreja”. A preocupação de fazer eco ao Concílio, as Assembleias dos Bispos Latino-americanos, em Medellin, em 1968, em Puebla, em 1979, deram um rosto novo à Igreja Latino-americana. O próprio Papa Francisco, no exercício de seu ministério na Argentina, se refere a essa nova caminhada eclesial: “O Concílio se tornou o horizonte de nossas crenças, nossa linguagem e nossa práxis que é, e logo se tornou novo ecossistema eclesial e pastoral. Muito simplesmente, o Concílio havia entrado em nossa maneira de ser cristão e de ser Igreja; e, ao longo de minha vida, minhas intuições, preocupações e espiritualidade foram simplesmente geradas pelas sugestões da doutrina do Vaticano II.”

Perguntado sobre o que o Concílio realizou, o Papa Bergoglio, respondeu: “O Vaticano II foi uma releitura do Evangelho à luz da cultura contemporânea. Produziu um movimento de renovação que vem simplesmente do próprio Evangelho. Os frutos são enormes.” É importante relembrar a reflexão teológica anterior que desaguou e permeou os documentos do Concílio. A mudança de postura da Igreja frente à modernidade vinha sendo gestada por uma série de movimentos teológicos, nas décadas que antecederam o Concílio. Destacam-se o Movimento Patrístico, o Movimento Litúrgico, o Movimento Bíblico, o Movimento Leigo, o Movimento Teológico.

O Movimento Patrístico, fruto do aprofundamento dos escritos dos Santos Padres nos mosteiros da França, Bélgica e Holanda, desencadeou o Movimento Litúrgico propondo um maior conhecimento da liturgia e fazendo com que as celebrações não estivessem distantes das experiências das pessoas. O Movimento Bíblico, com as descobertas arqueológicas e o emprego da hermenêutica no estudo dos textos bíblicos, proporcionou o colocar a Palavra de Deus nas mãos do povo. O Movimento Leigo, fruto de um despertar social manifestado nas preocupações com o crescimento do operariado, no fim do século XIX, cujo protagonista principal foi K. Marx, ao lançar o desafio da práxis, da transformação da realidade social em nítida crítica a uma religião, ópio do povo, fez surgir a Ação Católica (JAC, JEC, JOC e JUC) que conseguiu incorporar os vários universos do laicato nos ambientes dos operários, dos jovens estudantes universitários e da área rural. O Movimento Teológico, mesmo com algumas tentativas anteriores abortadas, conseguiu marcar o contexto teológico anterior ao Concílio principalmente a chamada “Nova Teologia”, surgida na França, cuja plataforma de ação foi lançada por Jean Danielou

Todo esse processo que vinha amadurecendo, e tornou presente no espírito do Concílio e na prática posterior da Igreja, a compreensão de “Igreja povo de Deus”, central nos textos conciliares (citada por nada menos do que 184 vezes”). Consequentemente, abriu caminho para a noção de “Igreja-serviço”, “Igreja pobre para os pobres”, um novo modo de ser Igreja. Nela, todos os batizados somos chamados a ser discípulos/as missionários/as e a dar nossa própria contribuição. Também, suscitou o esforço ecumênico, num espírito de diálogo, de respeito à verdade do outro, de reconhecimento da pluralidade; 

Consequência de toda essa caminhada de 60 anos, o Papa Francisco retoma e nos ajuda, não só na noção, mas principalmente na consciência e na prática de que somos “Igreja sinodal”.

Antes de convocar do Sínodo sobre a Sinodalidade na Igreja, o Papa Francisco manifestou aos membros da Pontifícia Comissão para a América Latina o desejo de que eles pudessem "dialogar sobre esse tema, uma vez que a experiência da Igreja na América Latina foi expressa, após o Concílio Vaticano II, com alguns elementos marcadamente sinodais".

Segundo Francisco, a "comunhão" e a "participação" foram as categorias-chave para a compreensão e implementação da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Puebla, e a "conversão pastoral" foi um conceito relevante na IV Conferência Geral de Santo Domingo que depois adquiriria ainda mais centralidade na V Conferência Geral de Aparecida.  “Estou convencido de que, de forma avançada, a Igreja na América Latina e no Caribe fez um "percurso caminhando", ou seja, demonstrou que uma interpretação correta dos ensinamentos do Concílio implica reaprender a “caminhar juntos” diante dos desafios ou problemas pastorais e sociais inerentes à mudança de época. Digo "reaprender" porque para caminharmos juntos é sempre importante manter o pensamento incompleto. Tenho alergia a pensamentos já completos e fechados”. Tal processo se fez presente no “Sínodo para Amazônia”, em 2018, como num ensaio para o “Sínodo sobre a Sinodalidade”, cuja preparação está envolvendo, atualmente, toda a Igreja em todos os continentes.

* Artigo publicado originalmente no Informativo São Vicente Nº 322.
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