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A Identidade da CM no início de seu 5º centenário 10 de Setembro de 2021 Pe. Vinícius Augusto Ribeiro Teixeira, CM
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O tema da identidade volta com frequência às nossas reflexões e discussões, ainda mais em tempos de mudanças radicais nos mais distintos âmbitos: antropológico, cultural, social, religioso, eclesial, etc. Vivemos, na verdade, um momento histórico de fortes incertezas e instabilidades. Por um lado, a crise global ocasionada pela pandemia da COVID-19 ressaltou a realidade de um mundo fraturado, fazendo crescer a insegurança ante o presente e o futuro. Por outro lado, esta crise nos ajudou a despertar para a necessidade e a urgência de voltar ao essencial da vida, de recuperar valores talvez esquecidos, de redescobrir princípios e atitudes capazes de humanizar o humano, qualificar as relações e recriar a harmonia na Casa Comum. O Papa Francisco, com a lucidez que o caracteriza, soube recordá-lo naquela inesquecível oração do dia 27 de março de 2020, na Praça de São Pedro completamente vazia: “A tempestade desmascara nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos nossos programas, nossos projetos, nosso hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade”.

Seja como for, o assombroso e desconcertante do Cronos não nos impedem de reconhecer o fecundo e o promissor do Kairos que despontam em nosso horizonte existencial e histórico. O momento requer oração mais constante, reflexão mais profunda, discernimento mais atento, decisões mais audazes. Um bom começo pode ser mergulhar no tema da identidade que nos constitui, posto que, sem saber quem somos ou a que somos chamados, não podemos viver com sentido, atuar com entusiasmo e falar com convicção. Faltar-nos-iam densidade, consistência e dinamismo. A CM se vê interpelada a percorrer este caminho de apropriação e reconfiguração de sua identidade espiritual e apostólica diante dos desafios e apelos do momento presente. Trata-se, então, de escutar a voz do Espírito que lhe diz: “Mantém com firmeza o que tens, para que ninguém arrebate sua coroa” (Ap 3,11). Nesta linha, situa-se a 43ª Assembleia Geral (AG), convidando-nos a rezar e a refletir sobre o tema: Revitalizar nossa identidade no início do V centenário da CM. Com esse propósito, exortou-nos o Padre Tomaž Mavri?: “Nossa próxima Assembleia Geral será celebrada, se Deus quiser, 405 anos depois do momento inspirado por Deus em Folleville. Precisamos ter sede, aspirar e dispor-nos nada menos que ao fogo interior e ao zelo missionário que levou nossos primeiros Coirmãos a seguir Jesus, evangelizador dos pobres. Precisamos esforçar-nos para uma nova primavera, um novo Pentecostes”.

Dentro dos limites impostos pelo espaço de que dispomos aqui, trataremos do assunto a partir de três pontos: apresentaremos alguns pressupostos metodológicos da identidade vicentina (I), recordaremos seus aspectos nucleares (II) e aludiremos a alguns riscos ou tendências que nos podem deter no esforço de atualizar nossa identidade (III). Em tudo isso, vale recordar que a revitalização da identidade da CM exige e integra os âmbitos pessoal, comunitário e institucional (Província e Congregação em geral), já que toda mudança estrutural tem seu ponto de partida na vida daqueles que intuem sua necessidade e a promovem com retidão e esperança.

I – Três pressupostos da identidade vicentina

Convém começar por um esclarecimento a respeito do tema da identidade, de seu significado e de seu alcance. Fixaremos nossa atenção em três pontos que encontram respaldo na experiência do próprio São Vicente de Paulo, em seu grande esforço de definição do perfil de suas fundações.

1. Identidade é a manifestação visível do que nos constituí essencialmente, é a realização histórica do que somos chamados a ser. Valendo-nos de uma sugestiva imagem do próprio São Vicente, poderíamos dizer que a identidade se assemelha ao rosto, “que é o testemunho do coração” (ES IX-A, 398 | SV IX, 435). Dirá, pois, o fundador, em outra ocasião, recorrendo à mesma imagem: “os rostos são sinais da disposição do coração, já que, ordinariamente, dão testemunho do que existe em seu interior” (ES IX-B, 892 | SV IX, 304).  Aplica a mesma lógica ao explicitar as virtudes que definem o espírito das Filhas da Caridade: “Aqueles que vos vejam, devem conhecer-vos por essas virtudes” (ES IX-A, 537 | SV IX, 596). Isso significa que as intenções, sentimentos e disposições que abrigamos em nosso interior devem refletir-se na exterioridade de nossa conduta, em nossas palavras e ações, em nossas opções e compromissos. Dessa forma, a identidade nos distingue dos demais, realçando e tornando palpáveis nossos traços característicos. Como toda identidade espiritual e apostólica, a identidade vicentina possui uma dupla estrutura: interior ou carismática, que se centra em uma experiência fundante – a do encontro com Jesus Cristo, evangelizador dos pobres – da qual brotam valores, convicções e motivações; e exterior ou profética, a qual se traduz em um modo de ser e agir, em um estilo de vida marcadamente caritativo e missionário. O fundador soube explicitá-lo ao delinear a fisionomia da CM com estas palavras: “Seu específico é dedicar-se, como Jesus Cristo, aos pobres” (ES XI-A, 387 | SV XII, 79). A dimensão interior alimenta e impulsiona a exterior, assim como a dimensão exterior concretiza e atualiza a interior. Vale aqui, bem entendido, o que escreveu o filósofo cristão E. Mounier, ao referir-se à existência da pessoa encarnada na história: “Sem a vida exterior, a vida interior seria incoerente, tal como, sem a vida interior, aquela não seria mais que delírio”. Esta é, pois, a primeira noção de identidade que podemos colher das intuições de Vicente de Paulo: nossa vocação possui uma fisionomia própria, um rosto que a define e visibiliza, uma maneira específica de situar-se na Igreja e no mundo, segundo o carisma que o Espírito nos comunicou através do fundador.

2. A identidade vicentina se configura em um processo dialético, em uma permanente e saudável tensão entre fidelidade e criatividade. Trata-se, portanto, de uma “trajetória traçada entre duas rochas: a da essência herdada e a da existência historicamente construída”. Somos, ao mesmo tempo, herdeiros e artesãos de nossa identidade. Falando, certa vez, às Filhas da Caridade, São Vicente se mostrou muito consciente desse dinamismo que caracteriza o espírito ou a identidade de uma comunidade apostólica: “Eis, minhas filhas, qual foi o começo de vossa Companhia. Como não era naquela hora o que é atualmente, é de se acreditar que ainda não é o que será, quando Deus a tiver colocado no ponto onde a quer, pois, minhas filhas, não deveis pensar que as comunidades se fazem de uma vez por todas” (ES IX-A, 234 | SV IX, 245). A identidade vicentina se apresenta como dom e tarefa; não apenas um testamento recebido do passado, mas também uma meta que temos que alcançar, um propósito que precisamos assumir, dia após dia, sempre em busca da unidade que lhe dá sentido e consistência. Assim como uma planta requer a seiva que lhe vem de suas raízes e que a robustece, também a identidade necessita alimentar-se continuamente da inspiração que a fez nascer e que a mantém dinâmica, ou seja, aberta a oportunas adequações, e atual, capaz de responder eficazmente aos desafios de cada momento histórico. Quando a herança se impõe como algo hermético ou quando a construção do novo descuida das raízes, a identidade se empobrece e se esfuma. O novo que desejamos oferecer aos pobres e à Igreja, como herdeiros e artesãos da identidade vicentina, não pode prescindir da riqueza da herança que o fundador nos legou e que tem suas raízes no Evangelho que emoldurou toda sua existência. Com efeito, para ser originais, temos que voltar às origens, ao que temos de mais genuíno. O Papa Francisco quis atualizar essa convocação: “Repassar a própria história é indispensável para manter viva a identidade e também robustecer a unidade da família e o sentido de pertença de seus membros. Não se trata de fazer arqueologia nem cultivar inúteis nostalgias, mas de repercorrer o caminho das gerações passadas para nele captar a centelha inspiradora, os ideais, os projetos, os valores que as moveram, a começar dos fundadores e das primeiras comunidades”. Quem quiser estar em dia com a identidade vicentina, tem que voltar às fontes para imbuir-se da riqueza original e criativa do carisma e, assim, avançar com mais perspicácia e vigor na direção dos desafios e exigências da missão nos diferentes contextos atuais.

3. Construir uma identidade aberta, dialogal e interativa. Em muitas ocasiões, nosso fundador se mostrou convicto da importância de uma apropriação ampla e profunda do específico de nossa vocação. Entretanto, sabia que isso não implicava em nenhum complexo de superioridade ou isolamento narcísico. Ao contrário, São Vicente insistia para que seus Padres e Irmãos soubessem reconhecer os méritos das diferentes famílias espirituais existentes na Igreja, preconizando assim o que se entende hoje como complementariedade e convergência entre os carismas e ministérios que enriquecem a missão compartilhada do povo de Deus: “Deus suscitou esta Companhia, como todas as outras, por seu amor e beneplácito. Todas tendem a amá-lo, mas cada uma o ama de maneira distinta: os Cartuxos pela solidão, os Capuchinos pela pobreza, outros pelo canto de seus louvores, e nós, meus irmãos, se temos amor, temos de demonstrá-lo levando o povo a amar a Deus e ao próximo, amar ao próximo por Deus e a Deus pelo próximo” (ES XI-B, 553 | SV XII, 262). O próprio Vicente de Paulo orientou e acompanhou de perto a fundação e o florescimento de várias comunidades religiosas, ajudando-as a discernir e assimilar suas respectivas identidades. Sabia que, por desígnio de Deus, a cada identidade carismática corresponde uma visão de Jesus Cristo e uma dimensão de sua missão salvífica: “As Companhias existentes na Igreja de Deus consideram diferentemente a Nosso Senhor, consoante os vários atrativos da graça, as luzes e as considerações diversas que lhe apraz dar-lhes, esta num estado, aquela em outro. Assim o imitam e honram de maneiras diferentes” (ES XI-B, 571 | SV XII, 284). A conclusão é óbvia: somos distintos, mas não distantes. Nenhum carisma por si mesmo abarca todas as necessidades do povo de Deus. Os diferentes carismas que impulsionam a vida da Igreja são identidades em permanente relação e devem interagir em vista da missão comum de difundir o Reino na história, cada uma mantendo íntegro o que lhe é peculiar. Neste campo, não é necessário demarcar rígidas fronteiras de separação, cedendo a comparações superficiais e a clichês pejorativos, que procedem por generalização. É o que ocorre, por exemplo, quando se associa, sem mais, o individualismo e a acomodação ao estilo de vida do clero diocesano. Sabemos, entretanto, que não são poucos os sacerdotes diocesanos comprometidos com as exigências de sua vocação, exemplares no cultivo da vida espiritual, da caridade pastoral e da fraternidade presbiteral. No diálogo e na colaboração com outras identidades, a identidade vicentina se aprofunda e enriquece, oferecendo sua contribuição específica à missão da Igreja. Como sublinhou o Papa Francisco: “A experiência mais bonita é descobrir quantos carismas diversos e quantos dons do seu Espírito o Pai confere à sua Igreja! Isto não deve ser visto como um motivo de confusão e de transtorno: são todos presentes que Deus oferece à comunidade cristã, para que possa crescer harmoniosa, na fé e em seu amor, como um único corpo, o corpo de Cristo”.

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Nestes pressupostos, descobrimos um tríplice estímulo: submergir-nos sempre mais na rica singularidade desta herança espiritual e apostólica que constitui a identidade vicentina; apropriarmos do dinamismo que caracteriza nossa identidade, manifestando sua jovialidade carismática e missionária em nossas respostas aos desafios de cada momento e de cada realidade; e estabelecer pontes de diálogo e colaboração com outras identidades a serviço da missão comum de semear a Boa Nova com palavras e obras. Seremos, então, como aquele discípulo do Reino que tira de seu tesouro coisas novas e velhas (cf. Mt 13,52).

II – Eixos da identidade vicentina da CM

Antes de discorrer sobre os fundamentos da identidade vicentina na CM, é importante ao menos recordar os princípios de revitalização identitária sugeridos pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), em seu Decreto Perfectae caritatis (n. 2): a norma suprema do Evangelho, a inspiração e as intenções dos fundadores, a tradição e o magistério da Igreja, as legítimas esperanças e necessidades de nossos contemporâneos e, por fim, o primado da renovação espiritual que deve influenciar todas as outras dimensões da vida. É sempre bom refrescar o já conhecido para não deixá-lo cair na rotina. Esta volta ao essencial propugnada pelo Vaticano II constitui um elemento teológico irrenunciável. De fato, a raiz última de nossa identidade é essencialmente teologal e jamais se reduz a aspectos de ordem meramente filosófica, psicológica, sociológica ou operativa. Além disso, a identidade da CM está sintetizada nas páginas das Constituições (1984) – também elas já necessitadas de adequações para responder melhor aos desafios de um mundo que muda radical e vertiginosamente – especialmente na acertada formulação de sua finalidade (CC1).

Voltar às fontes e traduzir essa essência de maneira significativa e relevante para nossos dias é o esforço mais importante que se deve empreender com o objetivo de revitalizar nossa identidade. Por isso, não estamos autorizados a dar por supostos valores e princípios que – ainda que muito lidos, estudados e debatidos – na prática não se revelam suficientemente assimilados e continuam sendo imprescindíveis e inclusive inadiáveis. A renovação e revitalização do carisma virão pela via de uma dupla fidelidade: aos valores essenciais que integram o projeto original do fundador e às transformações históricas de cada época. E essa dupla fidelidade se efetua mediante um cuidadoso discernimento e uma contínua conversão pessoal, comunitária e institucional. Só assim, a CM chegará a ser sempre a mesma em permanente novidade (semper idem in novitate), posto que, como dizia o grande místico e pastor, Dom Helder Camara: “É preciso mudar muito para continuar sendo o mesmo”, para viver e atuar a partir do essencial, ao qual necessitamos sempre voltar para recuperar nossa riqueza própria. Estamos, uma vez mais, frente ao desafio de conjugar fidelidade crescente e criatividade audaz, como recorda um recente documento da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica: “Aquilo que se quer conservar há de se atualizar continuamente. Fidelidade, portanto, conjuga-se com criatividade: algo deve mudar e algo deve manter-se. O importante é discernir o que deve permanecer na perseverança do que, pelo contrário, pode e deve mudar”.

Cabe-nos, portanto, a tarefa de encarnar e irradiar o espírito evangélico e vicentino que define nossa identidade. E temos que fazê-lo a partir da maneira como vivemos os aspectos constitutivos de nossa forma de vida (oração, ministérios, obras, comunidades, virtudes, votos, eclesialidade, secularidade, etc.), dentro das múltiplas circunstâncias em que nos situamos como depositários e dispensadores do carisma recebido do Espírito através de São Vicente. Devido à exiguidade do espaço, mencionamos, a seguir, tão somente os três principais eixos ou núcleos da renovação identitária da CM, segundo a sabedoria do fundador atualizada nas Constituições:

1. A centralidade de Jesus Cristo. O primeiríssimo eixo da identidade vicentina não é outro senão a absoluta centralidade de Jesus Cristo em nossa vida de Missionários. Cristo é a rocha firme sobre a qual temos que construir o edifício de nossa vocação (cf. Mt 7,24). São Vicente o expressou de muitas e variadas formas, com uma insistência sem comparação, transmitindo assim sua própria experiência, a experiência de alguém que decidiu “consagrar toda sua vida, por amor a Jesus Cristo, ao serviço dos pobres”, segundo o propósito que assumiu ainda ao redor dos 30 anos, quando se achava envolto em uma tentação contra a fé. Aos Missionários, dirá, reiteradamente, que “Cristo é a regra da Missão” (ES XI-B, 429 | SV XII, 130), “o modelo verdadeiro e o grande quadro invisível com o qual temos de conformar todas as nossas ações” (ES XI-A, 129 | SV XI, 212). Por isso, “é necessário revestir-se do espírito de Jesus Cristo (...), a fim de viver e agir como viveu Nosso Senhor e fazer que seu espírito transpareça em toda a Companhia, em cada Missionário e em todas as suas obras” (ES XI-A, 410 | SV XII, 107-108). Dessa relação de comunhão e amizade com Jesus Cristo, cotidianamente aprofundada na contemplação e na missão, nasce uma nova maneira de relacionar-se com Deus e com os outros, uma nova visão de fé. Por tudo isso, Jesus Cristo é o princípio orientador da existência do Missionário e o critério iluminador de seus discernimentos e decisões: “Para bem dispor de nosso espírito e de nossa razão, devemos ter por regra inviolável julgar sempre como julgou Nosso Senhor, digo sempre e em tudo. E perguntar-nos nas ocasiões que se apresentam: ‘Como Nosso Senhor julgaria isso? Como se comportou em caso semelhante? Que disse sobre isso? É preciso ajustar meus procedimentos às suas máximas e exemplos’. Tendamos a isso, senhores, e andemos por esse caminho com segurança” (ES XI-A, 468 | SV XII, 178-179). Todo e qualquer esforço de revitalização identitária tem que partir de Jesus Cristo. E mais: do Cristo a quem Vicente de Paulo encontrou, contemplou e seguiu ao longo de sua trajetória, o Cristo enviado pelo Pai para evangelizar aos pobres, que consumiu toda sua existência histórica no cumprimento da vontade salvífica daquele que o enviou para espalhar as sementes do Reino no terreno da história. A 42ª AG (2016) quis recordá-lo expressamente: “Jesus Cristo é o centro de nossa vida e missão, regra para nossa identidade, conteúdo de nossa pregação, razão de nossa paixão pelos pobres” (n. 2.1.). Neste ponto, temos que nos perguntar como anda nossa relação de amizade e comunhão com o Senhor, como a nutrimos pessoal e comunitariamente. Trata-se, pois, do cultivo da vida interior que nos identifica como Missionários e que alenta nossa busca de santidade no cotidiano. Em muitos lugares, os membros da Congregação se tornaram conhecidos pela generosidade da entrega e pela disponibilidade para o serviço. Oxalá sejamos conhecidos também pela fecundidade de uma vida espiritual que se irradia e que contagia a quantos convivem e trabalham conosco. Permitimos que Cristo seja, de fato, a vida de nossa vida de Missionários? Asseguramos a circularidade entre o Evangelho que meditamos, a Eucaristia que celebramos e os Pobres a quem servimos, como mediações e privilegiadas de nosso encontro diário com o Senhor? Para nós, o seguimento de Jesus Cristo evangelizador dos pobres é realmente o impulso da mística e da ética que se expressam na vivência das cinco virtudes e dos votos? 

2. Destinados aos pobres. Umas das mais firmes convicções de São Vicente se refere à evangelização integral dos pobres como razão de existir da Congregação. De fato, a fidelidade à vocação está intimamente associada à sua finalidade. Isso significa que, na perspectiva do carisma vicentino, a caridade e a missão têm uma direção inequívoca: os menores dos irmãos (cf. Mt 25,40), aqueles que carecem do indispensável a uma vida digna e feliz, os que não nos podem retribuir por aquilo que lhes fazemos (cf. Lc 14,12-13). Trata-se, pois, dos pobres reais e concretos, os preteridos e descartados da sociedade, aqueles que – além das pobrezas existenciais, psicológicas, morais, espirituais, etc. – enfrentam a privação do mínimo vital, vitimados pelo egoísmo e a injustiça que lhes ferem a dignidade. Junto a eles, através de uma presença compassiva, uma evangelização criativa e um serviço eficaz, continuamos a missão do filho de Deus: “Sim, Nosso Senhor pede que evangelizemos os pobres: foi o que Ele fez e o quer continuar fazendo através de nós” (ES XI-A, 386 | SV XII, 79). Como se pode inferir facilmente, a opção radical de Vicente de Paulo pelos pobres nada tem de ideologia sectária ou de mera estratégia operativa. Ela nasce de uma exuberante experiência de fé, do mistério de sua vocação, de seu encontro pessoal com Jesus Cristo que o remete sem cessar aos últimos deste mundo. O Evangelho é a regra suprema da vida de Vicente e a pauta de sua atuação na Igreja e na sociedade de seu tempo, a chave e o sustento de seu compromisso com os pobres no seguimento de Jesus Cristo. Em uma memorável conferência, o fundador alude a possíveis questionamentos ou objeções que poderiam surgir ao redor do tema da evangelização dos pobres como coração pulsante da identidade da CM na Igreja. E acrescenta uma claríssima descrição da originalidade da Companhia, constituída por Deus para prolongar a missão de Jesus Cristo. Uma graça que requer o compromisso da correspondência e da conformidade, cotidianamente renovadas: “Mas não há na Igreja de Deus Companhia alguma que tenha por partilha os pobres e que se dê totalmente aos pobres, a ponto de jamais pregar nas grandes cidades. É disso que os Missionários fazem profissão. Têm isso de particular: ser, como Jesus Cristo, aplicados aos pobres. Nossa vocação, portanto, é uma continuação da sua ou, pelo menos, é semelhante em suas circunstâncias” (ES XI-A, 387 | SV XII, 79-80). Na visão de fé que São Vicente nos oferece, o Missionário é chamado a redescobrir-se a cada dia como amigo, evangelizador e servidor dos pobres. A 42ª AG quis ressaltar essa verdade inscrita no coração da identidade vicentina: “Os pobres constituem nosso lote próprio, nossa herança. A eles, dirige-se nossa ação evangelizadora. Eles são também nossos primeiros interlocutores. No contato direto com os pobres, eles nos evangelizam (...). Nossa relação com os pobres, com os mesmos sentimentos de Cristo Jesus, identifica-nos como Missionários (ao contrário de funcionários)” (n. 2.3). Para nós, a missão não é uma atividade profissional, é expressão privilegiada da conformidade com Jesus Cristo, de nossa entrega a Deus. Precisamos, pois, dedicar tempo e atenção ao discernimento sobre nossa presença missionária junto àqueles aos quais somos destinados por força de nossa vocação específica. É hora, pois, de rever o sentido atual, a relevância carismática e a atualidade profética de nossos ministérios, projetos e obras. Os lugares onde nos situamos, os serviços que prestamos e a maneira como o fazemos manifestam a verdade do que somos como evangelizadores dos pobres? Ou nos contentamos comodamente com a manutenção de estruturas rentáveis, limitando-nos a um pastoral de mera conservação? Cultivamos a liberdade interior e a lucidez espiritual para mover-nos em outras direções, descobrir caminhos novos e empreender ações criativas e eficazes de aproximação à realidade dos pobres e de resposta aos apelos das realidades onde se desenvolve nossa missão? O pontificado atual, tão concorde com nosso carisma, pede de nós a coragem de situar-nos nas fronteiras, nas margens, nas periferias, com autêntico sentido evangélico e vicentino. Que nos fale e anime a promissora Encíclica Fratelli tutti!

3. Formar o clero e os leigos em e para a caridade missionária. Assegurada a inigualável prioridade da evangelização dos pobres, como finalidade precípua da CM, a formação do clero e dos leigos se levanta como um aspecto irrenunciável da identidade vicentina. O próprio São Vicente o disse: “Ora, trabalhar na salvação do pobre povo do campo é o principal de nossa vocação e tudo mais é apenas acessório” (ES XI-A, 55 | SV XI, 133). Pelo bem dos pobres, para que a mensagem do Evangelho se consolidasse entre eles, Vicente de Paulo se comprometeu com a formação dos padres e com a animação dos leigos, convidando-os a reavivar o dom de Deus que lhes havia sido confiado (cf. 2Tm 1,6). Ainda que tacitamente, o Documento da 42ª AG não deixou de sublinhar este traço constitutivo de nossa fisionomia. E o fez no marco das Linhas de Ação e Compromissos: “Partilhar o sentido missionário e eclesial de nossa evangelização e de nosso serviço aos pobres na formação de clérigos e leigos, sobretudo para a liderança missionária” (n. 3.5.d). Hoje como ontem, a Igreja tem necessidade de leigos e presbíteros convictos, coerentes e comprometidos, virtuosos e capacitados para o serviço do Reino.

Em sua florescente atividade apostólica, Padre Vicente intui que, para “tornar efetivo o Evangelho” (ES XI-A, 391 | SV XII, 84), era imperioso dotar a Igreja de pastores sábios e humildes, que estivessem a serviço do povo, ali onde este vivia, sofria e esperava, no campo e nas cidades. Por isso, estabelecerá a formação do clero como atividade própria de sua Congregação, um desdobramento necessário da evangelização dos pobres: “O terceiro fim de nosso pequeno Instituto é instruir os eclesiásticos, não apenas nas ciências de que devem ter conhecimento, mas também nas virtudes que devem praticar. Que faríeis, se lhes ensinásseis umas sem as outras? Nada ou quase nada. Eles têm necessidade de capacitação e de vida santa. Sem esta última, a primeira é inútil e perigosa. Devemos levá-los a amar igualmente a ambas, e é o que Deus pede de nós” (ES XI-A, 390 | SV XII, 83). Passados os tempos áureos da atuação da CM na formação dos eclesiásticos, cabe-nos agora identificar novas maneiras de concretização desta dimensão da finalidade da Congregação. Necessidade não falta, como também não faltam possibilidades, sobretudo onde há insuficiência de formadores, em Igrejas Particulares marcadas pela carência pastoral e econômica. Pensemos, por exemplo, na ajuda que podemos oferecer através de um sério e cuidadoso acompanhamento espiritual, da orientação de exercícios espirituais, do magistério seminarístico e acadêmico, de programas de formação inicial e permanente, da cooperação pastoral e sobretudo de nosso testemunho pessoal e comunitário. Talvez sem o mesmo protagonismo de antes (reitorias de grandes seminários, por exemplo), mas sem deixar a desejar na profundidade espiritual, na consistência intelectual e no zelo apostólico que a tarefa exige. Pensemos ainda na difundida experiência do diaconato permanente, que costuma suscitar vocações autóctones em lugares mais remotos (entre os povos indígenas da Amazônia, por exemplo). No exercício harmonioso da dupla ministerialidade (Matrimônio e Ordem), muitos diáconos se constituem em valiosos missionários em diversas periferias ou fronteiras. O campo da formação do clero continua sendo vasto e precisa ser redescoberto, ainda mais tendo em conta as crises que afetam o momento atual.

O protagonismo dos leigos na vida e na missão da Igreja, que haveria de ser reconhecido e encorajado pelo Vaticano II, encontrou em Vicente de Paulo um autêntico e entusiasta precursor. Toda sua ação caritativo-missionária foi acompanhada e enriquecida pela colaboração qualificada de leigos verdadeiramente identificados com seu ideal apostólico e contagiados por sua coerência evangélica. Padre Vicente desperta mulheres e homens para enfrentar as misérias e necessidades de seu tempo, comunica-lhes uma vigorosa experiência de fé e compromete a inteligência e a sensibilidade deles com a evangelização e o serviço dos pobres. Desde o começo até o final de seu itinerário pastoral, Vicente será acompanhado de perto por leigas e leigos que partilham de sua paixão por Cristo e de sua compaixão pelos que sofrem. O laicato está, portanto, na origem e no desenvolvimento da caridade e da missão. Se, de fato, “a Igreja é como uma grande messe que requer operários que trabalhem” (ES XI-B, 734 | SV XII, 41), poucos souberam dinamizá-la tão fortemente em sua fidelidade ao Evangelho como Vicente de Paulo, reunindo pessoas decididamente orientadas à santidade no seguimento de Jesus Cristo e na solicitude para com os deserdados da história. Tinha razão São João Paulo II ao dizer a respeito de nosso fundador: “A vocação deste genial iniciador da ação caritativa e social ilumina ainda hoje o caminho de seus filhos e filhas, dos leigos que vivem de seu espírito, dos jovens que buscam a chave de uma vida útil e radicalmente consumida no dom de si mesmos”. Somos desafiados a proporcionar uma formação consistente aos leigos que colaboram conosco no serviço da caridade missionária, com particular atenção aos membros da Família Vicentina, mas também aos de nossas paróquias, colégios, universidades e obras em geral, abrindo caminhos para impulsionar o protagonismo dos leigos nos ministérios e nas instâncias eclesiais de decisão, bem como nos âmbitos da sociedade, da cultura e da política, de modo que trabalhemos todos juntos, em uma permanente complementariedade, na construção de um mundo mais fraterno e solidário, antecipação do Reino que é dom e responsabilidade.

III – Tendências ou riscos

Não há dúvida de que a árdua e apaixonante tarefa de revitalizar a identidade da CM requer ao menos três movimentos intimamente relacionados entre si: o crescente aprofundamento ou compenetração dos valores essenciais que integram a visão original do fundador, o olhar de fé sobre as mudanças e perspectivas que caracterizam o momento presente da história e o desenvolvimento de um novo projeto de vida e missão que abarque e atualize os aspectos constitutivos de nosso núcleo identitário. A Instrução sobre os votos resumiu, com lucidez e clareza, este desafio que temos pela frente:

“Esta mesma inspiração original de São Vicente e de seus primeiros companheiros continua convocando hoje a CM. Jesus, o evangelizador dos pobres, continua chamando-nos hoje a segui-lo em sua caminhada entre os abandonados e marginalizados. A resposta da CM, fundamentada no compromisso radical de cada um a seguir a Jesus como discípulo, é uma ação comunitária. Durante a vida de São Vicente, as necessidades mais urgentes dos pobres, a missão apostólica, a vida comum, a vocação para ser discípulo de Jesus, assim como o exemplo do próprio São Vicente, foram capazes de criar um dinamismo que dotou a nascente CM de sua identidade específica. Fiel a essa tradição, a Congregação procura seguir o sopro do Espírito nos sucessos e situações de nosso tempo. Igual dinamismo, formado por elementos similares, impulsiona-nos hoje a encarnar o carisma vicentino em um novo contexto histórico e a responder com formas novas às necessidades urgentes dos pobres”.

Todos sabemos que um trabalho dessa envergadura supõe algumas predisposições das quais não podemos prescindir: retidão de intenção, espírito de oração, discernimento profundo, estudo sério, sentido comum, sintonia eclesial, amor à Congregação, dialogo respeitoso, trabalho persistente, firmeza nos fins, flexibilidade nos meios, etc. Além disso, convém combater algumas tendências insidiosas que colocam em risco o processo de revitalização identitária, minando seus fundamentos e estreitando seu horizonte. A título de ilustração, tipificamos doze dessas tendências:

  1. o reducionismo ideológico, que consiste em apegar-se previa e estrategicamente a ideias, conveniências ou interesses parciais, sem levar em conta os princípios que vertebram a identidade e sem deixar-se interpelar pelas circunstâncias (os sinais dos tempos) e as necessidades (dos pobres, da Igreja, da Congregação...);
  2. a nostalgia do passado, de suas conquistas e glórias, como se fosse possível transportar de lá, sem mais nem menos, as respostas que devemos dar aos desafios concretos de hoje, com o risco de cair na involução;
  3. o afã das novidades, sem preocupar-se em robustecer-se com a seiva que provém das raízes e dando por descontado o que ainda não foi assimilado (ainda que tenha sido muito discutido), com o perigo de perder de vista os fundamentos e de mudar só por mudar (o que não implica necessariamente uma melhora);
  4. a tentação de baixar o nível, de nivelar por baixo, renunciando ao ideal evangélico-vicentino, minguando as exigências do carisma, contentando-se com o mínimo exigido, acomodando-se ao já conquistado e dispensando-se de esforços mais exigentes e iniciativas mais audazes;
  5. o otimismo oco, que oculta a realidade, contemporiza incoerências, camufla omissões, não impulsiona a conversão, não se importa com a fidelidade e não reconhece o que precisa mudar (vale lembrar aqui que o que não é assumido não pode ser redimido);
  6. o pessimismo destrutivo, que rouba a esperança, obscurece a alegria, fecha as possibilidades e solapa a criatividade que anda de mãos dadas com a fidelidade;
  7. a ausência de uma justa escala de valores, que não distingue entre o essencial e o acidental, o central e o periférico, o primordial e o secundário, como se tudo tivesse a mesma importância e a mesma urgência;
  8. o intelectualismo, que não sai do plano das ideias, diluindo-se em abstrações de pouca ou nenhuma incidência, sem aterrissar no concreto e sem deixar-se interpelar pelas situações;
  9. o legalismo, que absolutiza as normas, não se abre aos processos e não se dispõe a revisões, mostrando-se inclinado ao imobilismo;
  10. o subjetivismo, que se restringe aos sentimentos e reações primárias, instala-se nos apegos e não se lança na direção de novos desafios, condicionando as exigências da vocação às demandas individuais ou às comodidades;
  11. o praxismo, que desvaloriza o discernimento e a reflexão, podendo assim mascarar o vazio espiritual, encobrir deficiências não remediadas e degenerar em compulsão ou em ativismo desprovido de finalidade e transcendência;
  12. o pelagianismo, que não leva em conta o fato de que a revitalização da identidade da CM não se reduz a raciocínios, planos e estratégias, já que inclui um ato de fé, devendo, por isso, ser acompanhada e dinamizada pela entrega orante de nossos esforços àquele que é o autor e consumador de nossa vocação missionária.

Outro documento da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica resume o que representam tentações como estas para uma Comunidade que deseja colocar-se em dia com sua identidade:

“Todo sistema estabilizado tende a resistir à mudança e faz o possível para manter sua posição, por vezes ocultando incongruências, outras vezes aceitando aproximar pobremente o velho e o novo, ou negando a realidade e os atritos em nome de uma concordância que é fictícia, ou até dissimulando os próprios fins com ajustes superficiais. Lamentavelmente, não faltam exemplos nos quais se encontra uma adesão puramente formal, sem a necessária conversão do coração”.

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Conclusão

A arriscada travessia da pandemia do Coronavírus nos fez, ao menos em parte, deter o ritmo frenético e convulsivo da vida ordinária e nos interpelou a passar de um olhar superficial a uma consideração mais profunda da existência, de seu sentido, de seu valor, de suas relações. Instou-nos, portanto, a passar da dispersão à profundidade. Aqui, descobrimos um desafio para nós, membros da CM, no esforço contínuo de revitalizar nossa identidade, em meio a uma cultura líquida e light que se fixa na superficialidade, na provisoriedade e na agitação. Trata-se de fazer da profundidade a chave deste processo. Isso requer sedimentar nossas convicções, qualificar nossas vivências e impulsionar nosso testemunho em todas as dimensões que formam a identidade vicentina. Profundidade que se manifesta em uma humanidade madura, em uma afetividade equilibrada, em uma espiritualidade consistente, em uma formação sólida, em uma entrega missionária generosa, em uma convivência verdadeiramente fraterna, no esforço contínuo de ajustar-nos, livre e alegremente, às exigências do projeto de vida que abraçamos para seguir a Jesus Cristo evangelizador dos pobres, nas pegadas de São Vicente de Paulo. E estamos certos de que as ressonâncias desse empenho iluminado pela fé se expandem, como em círculos concêntricos, desde a vida de cada Missionário e de cada Comunidade até as estruturas de cada Província e de toda a Congregação. Esperamos, pois, que a 43ª Assembleia Geral nos comunique um novo impulso nessa direção, enquanto caminhamos rumo ao quinto centenário da CM.


Notas

01 A vida após a pandemia. Vaticano: Libreria e Editrice Vaticana, 2020, pp. 20-21.

02 Carta do Superior Geral, de 25 de janeiro de 2020. A 43ª Assembleia Geral da CM se realizará entre os dias 27 de junho e 15 de julho de 2022.

03 Conferência sobre o espírito do mundo, de 28 julho de 1648.

04 Conferência sobre o uso dos bens colocados à disposição das Irmãs, de 5 de agosto de 1657.

05 Conferência sobre o espírito da Companhia, de 9 de fevereiro de 1653.

06 Conferência sobre a finalidade da CM, de 6 de dezembro de 1658.

07 O personalismo. São Paulo: Centauro, 2004, p.66.

08 SUESS, Paulo. Introdução à Teologia da Missão. Convocar e enviar: servos e testemunhas do Reino. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 186.

09 Conferência sobre o amor à vocação e a assistência aos pobres, de 13 de dezembro de 1646.

10 Sobre o caráter evolutivo de toda identidade, ver: BAUMAN, Zigmunt. Identidade. Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, pp.16-31. Na perspectiva cristã: BÜHLER, Pierre. A identidade cristã: entre a objetividade e a subjetividade. Concilium, 216 (1988/2), pp. 25-27.

11  Cf. SUESS. Introdução à Teologia da Missão, pp. 185-188.

12 Carta Apostólica às pessoas consagradas para proclamação do Ano da Vida Consagrada, n. 1.

13 Conferência sobre a caridade, de 30 de maio de 1659. Também às Filhas da Caridade, na conferência de 9 de fevereiro de 1653, dirá o fundador: “Todos os cristãos, minhas Irmãs, estão obrigados à prática destas virtudes (caridade, simplicidade e humildade), mas as Filhas da Caridade têm esta obrigação de uma forma especial (...). Os Cartuxos estão obrigados a prática de todas as virtudes, mas se dedicam muito especialmente a cantar os louvores de Deus. Os Capuchinos também têm obrigação de praticar todas as virtudes, mas a nenhuma estimam tanto como a virtude da pobreza. Da mesma maneira, Deus quer que as Filhas da Caridade se dediquem especialmente à prática de três virtudes, a humildade, a caridade e a simplicidade” (ES IX-A, 537 | SV IX, 596).

14  Sirva de exemplo o caso emblemático da União Cristã de São Chaumond, fundada em 1652, pela senhora Pollalion, fiel colaboradora de Padre Vicente de Paulo nas Confrarias da Caridade. Desde suas origens até hoje, esta congregação religiosa reconhece a São Vicente como seu fundador ao lado da mencionada senhora (cf. PEYROUS, Bernard; TEISSEYRE, Charles. Une tradition spirituelle: l’Union-Chrétienne de Saint-Chaumond. Poitiers: Union-Chétienne, 2000, especialmente as páginas 45-53).

15  Conferência aos Missionários sobre o bom uso das calúnias, de 6 de junho de 1659.

16 Neste ponto, o clero secular pode se beneficiar enormemente das chamadas Fraternidades, Associações ou Institutos Sacerdotais, como, por exemplo, os que seguem as espiritualidades do Beato Charles de Foucauld (Jesus Caritas), do Beato Antônio Chevier (Prado) e do Beato Tiago Alberione (Jesus Sacerdote). Quem sabe um dia possamos oferecer ajuda similar aos presbíteros diocesanos, transmitindo-lhes a riqueza da espiritualidade vicentina aplicada ao específico de sua forma de vida...

17  Audiência geral de 1 de outubro de 2014.

18 Cf. CODINA, Victor. Teologias da Vida Religiosa. In: CODINA; ZEVALLOS, Noé. Vida Religiosa: história e teologia. Petrópolis: Vozes, 1987, pp. 122-125.?Ver também: VITÓRIO, Jaldemir. A pedagogia na formação: reflexão para formadores na Vida Religiosa, São Paulo: Paulinas, 2008, pp. 20-24.

19 Cf. QUINTANO, Fernando. Palabras y escritos esenciales. Madrid: CEME?La milagorsa, 2020, pp. 319-321.

20  El don de la fidelidad: la alegría de la perseverancia. Orientaciones (2020), n. 32.

21 Sobre o tema, há abundante bibliografía. Aqui, servimo-nos sobretudo de: RENOUARD, Jean-Pierre. Saint Vincent de Paul, maître de sagesse: initiation à l’esprit vincentien. Bruyères-le-Châtel: Nouvelle Cité, 2010, especialmente a segunda parte, pp. 79-107. | UBILLÚS, José Antonio. Volver a Jesús para evangelizar. Anales de la Congregación de la Misión y de las Hijas de la Caridad, Madrid, tomo 123, n. 3, mayo-junio 2015, pp. 251-265.

22 La vie du vénérable serviteur de Dieu Vincent de Paul, instituteur et premier supérieur général de la Congrégation de la Mission. Paris: Florentin Lambert, 1664, tomo III, p. 118.

23  Conferência sobre a busca do Reino de Deus, de 21 de fevereiro de 1659.

24  Repetição da Oração de 1 de agosto de 1655.

25 Conferência sobre os membros da CM e suas ocupações, de 13 de dezembro de 1658.

26 Conferência sobre a simplicidade e a prudência, de 21 de março de 1659.

27 Sobre este tema, em toda sua riqueza e amplitude, não conhecemos uma referência más sólida que esta: GROSSI, Getúlio. Um místico da Missão, Vicente de Paulo. 2ª ed. Belo Horizonte: PBCM, 2016, pp. 49-112. Ver também: FERNÁNDEZ, Celestino. El pobre en el corazón de San Vicente. VV.AA. La experiencia espiritual de San Vicente de Paúl. 35 Semana de Estudios Vicencianos. Salamanca: CEME, 2011, pp. 507-529.

28 Conferência sobre a finalidade da Congregação da Missão, de 6 de dezembro de 1658.

29 Sobre os dois temas, ver: FARÌ, Salvatore. La formazione iniziale al Presbiterato nell’esperienza vincenziana. Roma: CLV, 2009 | RENOUARD, Jean-Pierre. Los laicos y el Señor Vicente. In: VV.AA. Avivar la Caridad. Salamanca: CEME, 1998, pp. 71-94.

30 Repetição de Oração de 25 de outubro de 1643.

31 O item seguinte também se refere ao assunto: “Preparar entre os Nossos, assim como entre os leigos e o clero, agentes para a Mudança de Estruturas que a vivifiquem e promovam” (n. 3.5.e).

32 Conferência sobre a finalidade da Congregação da Missão, de 6 de dezembro de 1658.

33 Ver, por exemplo: Lumen gentium, n. 31?Apostolicam actuositatem, n. 8.

34 Esquema de uma conferência sobre o amor de Deus. Não datada.

35 Carta do Papa João Paulo II ao Superior Geral da CM. 12 de maio de 1981.

36 Instrução sobre Estabilidade, Castidade, Pobreza e Obediência na CM. Roma: Curia Geral, 1996, pp. 11-12.

37 A vino nuevo, odres nuevos. La Vida Consagrada desde el Concilio Vaticano II. Retos aún abiertos. Orientaciones (2017), n. 11.

38 Na inauguração do curso 2011-2012, da Universidade de Deusto, assim se expressou o recém-falecido Pe. Adolfo Nicolás (1936-2020), Prepósito Geral da Companhia de Jesus: “Hoje, a sabedoria não é moeda comum em nossos mercados. Na realidade, nunca o foi. Pela primeira vez, temos mais informações do que capacidade para digeri-las e processá-las. O que se vende não é sabedoria, mas sim superficialidade: soluções imediatas, explicações pré-fabricadas, culturas de usar e jogar fora, graça barata... Apesar disso, o ser humano tende incansavelmente ao ideal da sabedoria” (Citado na Revista anual da Universidade de Deusto: Deusto, n. 143, 2020, p. 47).

* Tradução para o português brasileiro realizada pelo Pe. Hugo Barcelos, CM 
** Artigo originalmente publicado no site da Cúria Geral da Congregação da Missão (cmglobal.org)
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