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Dar a vida... 17 de Abril de 2024 Pe. Michel Araújo Silva, CM
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Há pouco mais de um ano, recebi de Deus, por meio da Igreja, a maior graça, depois do Santo Batismo. A ordenação presbiteral. Não me esqueço daquilo que o bispo disse em sua homilia no dia de minha ordenação: “O Sacerdócio é uma alegria tão grande, mas tão grande que a gente não consegue viver em um dia. É preciso uma vida para saboreá-lo”. Agora, passado um tempo, vou entendendo o que o bispo estava dizendo. A cada dia a alegria e a gratidão aumentam.

Ao mesmo tempo, em que a alegria e a gratidão vão aumentando, aumenta também a consciência da responsabilidade. Paralelo ao texto de Ezequiel 34, encontramos o Evangelho segundo João 10, 11-18. Jesus se apresenta como o Bom Pastor. Diferente daqueles que trabalham por obrigação ou por compensação. Jesus é aquele que dá a vida por amor. Ele é aquele que se entrega, desgasta-se e morre para conduzir e salvar as ovelhas de seu redil.

O Pai do Céu enviou seu Filho Jesus para pastorear a terra e reunir todos os povos num único povo. Seu filho, único e verdadeiro Pastor, multiplicou-se nos primeiros apóstolos, depois se multiplica pelas gerações, naqueles que continuam sua missão. O mesmo foi pastoreando seu povo no mundo, através da Igreja, no decorrer da história; assim a missão do Salvador foi se desenvolvendo até hoje.

O redil de Jesus não é pequeno e, no decurso dos séculos, iluminados pela presença do Espírito Santo, muitos imitaram, seguiram e comprometeram-se com o Verdadeiro Pastor, conduzindo almas para Ele. Muitos foram aqueles que de modo abnegado e fiel gastaram suas vidas, derramaram seu sangue por amor ao pastoreio do rebanho de Cristo.

Hoje nós somos chamados a sermos continuadores dessa caminhada que muitos percorreram antes de nós. Continuar a Missão do Bom Pastor, Jesus. É bem certo que a Missão é de Jesus e não nossa. Todavia, depois de Jesus e antes de nós, existiram homens abençoados por Deus que, como dissemos, souberam continuar muito bem a missão.

E nós que temos a missão de sermos pastores, hoje?!

É certo que um jovem não tem as respostas de um ancião, mas é bom lembrar o que diz o apóstolo (1Tm4,12-13). Com oração e entusiasmo. Com o coração aberto para escutar os mais experimentados e para ler a realidade que nos interpela, vamos procurando avançar para águas mais profundas (Lc 5,4). Como missionário vicentino não há, para mim, um modelo mais edificante de presbítero, de pessoa que soube seguir os passos do bom e verdadeiro pastor, Jesus, do que o padre Vicente de Paulo. Seguindo suas pegadas podemos encontrar balizas para viver bem o ministério presbiteral, hoje. Como os santos votos, as máximas evangélicas e os exercícios de piedade próprios da tradição vicentina.

Em tempos de individualismo temos a graça e o desafio da vida comunitária. Marcados pelo frenesi do cotidiano, não percebemos a beleza de nossa fé em alguns elementos que nos parecem ser muito comuns, mas que para a sociedade, já deixaram de ser. E o ideal da vida fraterna em comunidade é um deles: homens vivendo juntos, numa fraternidade, apoiando-se mutuamente, em comunhão de bens e em vista de um ideal comum, como vivem os missionários, é um sinal profético, hoje. Pessoas que são capazes de romper com o individualismo e com egoísmo para viver em comunidade, com sobriedade e simplicidade numa vida de pobreza para servir os vulneráveis é verdadeiramente caminhar na contramão do mundo.

Gosto de aplicar a mim o conselho que São Vicente ofereceu ao Pe. Antônio Portail: “Lembrai-vos, Padre, de que vivemos em Jesus Cristo pela morte de Jesus Cristo e que devemos morrer em Jesus Cristo pela vida de Jesus Cristo e que nossa vida deve estar oculta em Jesus Cristo e plena de Jesus Cristo e que, para morrer como Jesus Cristo, é necessário viver como Jesus Cristo” (SV I, 295). Cristo é o sentido da vida e da morte, é o modelo a ser configurado, o ideal ser anunciado.

Os tempos se revelam cada vez mais complexos. As exigências para a pregação do Evangelho não são as mesmas de séculos atrás, mas nem por isso são menores, pelo contrário. Diante de tanta exigência e complexidade, o sentimento que pode nos invadir é o de impotência (Jr 1,6). Parecem-nos faltar ferramentas necessárias para a missão. Na realidade, deparamo-nos com nossas limitações. Não temos respostas para tudo. Por outro lado, se chegamos aqui pela via da honestidade (se diferente do assalariado referido no texto bíblico, nós aqui chegamos por sentir uma inclinação interior e não por busca de recompensa material, ou coisa do tipo) é porque o Senhor nos quer nesse serviço. É verdade que diante dele realmente somos pequenos e incapazes e nossa realidade pessoal está muito distante do ideal do Pastor, mas Deus escolhe trabalhar com instrumentos ineficazes. É sua lógica (Mt 9,9-13).

A Igreja vai oferecendo-nos muitos meios para o crescimento. Vão surgindo muitas oportunidades, em vários sentidos; no entanto, é sempre bom pensar que diferente do mundo dos negócios, na Igreja de Jesus o que conta não são os títulos (sejam eles acadêmicos ou eclesiásticos). O importante é sempre a busca pelo serviço (Mc 10, 32-45). Fazer-se pequeno para elevar os outros. Não se perdendo na vã competição pelo ter e pelo poder, mas abrindo-nos sempre à Graça Divina. Assim, mesmo com as limitações pessoais que todos temos, poderemos ser continuadores da missão que não é nossa, mas do Senhor.

O ministro ordenado é alguém tirado do meio do rebanho de Cristo, do qual sempre será uma ovelha. Ser presbítero não é, evidentemente, algo como buscar privilégios, holofotes, cair no ridículo populismo, ou coisas como se vê (embora, graças a Deus, seja minoria). Quem é autocentrado não se centrou em Cristo, não encontrou nele sua referência. O centro é sempre aquele que anunciamos (Jo 3,30). Sempre, em momentos oportunos, ou não, convidados a anunciar a Palavra de Deus. Anunciar a verdadeira palavra, ao invés de discursos longos, fastidiosos que mais parecem exibicionismo em cima dos textos sagrados e que a ninguém interessam. É alguém que busca cultivar no coração os mesmos sentimentos de Cristo Jesus.

O ministério ordenado realmente é uma grande graça e de uma grande beleza, uma vez que é um sacramento de serviço. Nunca estaremos à altura desse sacro dom, mas auxiliados pela graça e cheios de humildade, podemos nos aproximar cada vez mais do ideal. Há uma plêiade de santos que iluminam o céu da Igreja e nos encorajam  nesse bom propósito. Bendito seja Deus pela vida doada de cada um que, ao longo da história da Igreja, cooperou com a missão de seu Filho. Que Ele abençoe os que já se encontram no fim de sua peregrinação e nos encoraje a nós que estamos começando.

Bendito O seja, também, por ter inspirado aquele Padre Francês em 25 de janeiro de 1617. E sentindo o sopro de seu Espírito iniciado uma obra nova, diferente, para homens que desejassem seguir de maneira mais radical o estado de missão do Divino Salvador.

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