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Juventudes e pobrezas 12 de Agosto de 2021 uma problematização da realidade social hodierna Diác. Ramon Aurélio, CM
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Como toda estrela no céu, todo jovem na terra é sinal e esplendor. O percurso traçado pela juventude ao longo da história traz em si sonhos e lutas que não podem ser menosprezadas. Entender o caminho juvenil é essencial para a abordagem e o trabalho com os jovens. O mundo contemporâneo é, sem dúvidas, um espaço para entender e dialogar com as juventudes; ele é lugar de investigação que revela dinâmicas das juventudes hoje. Com o avanço da tecnologia  e da globalização, vivemos em um mundo que se encontra num cenário próprio e diversificado frente à realidade. Neste sentido, apresenta-se um cenário complexo com perspectivas e desafios próprios dos tempos hodiernos à cultura juvenil.

Este artigo parte do objetivo do eixo central da temática: Juventudes e Pobrezas: uma problematização da realidade social hodierna. Nesta perspectiva, penso que podemos pensar a problematização a partir da compreensão de pobreza expressada no horizonte das periferias e do seu lugar. Em vista de uma melhor compreensão das questões que envolvem a temática, apresentar-se-á uma discussão a respeito da condição atual dos jovens pobres no mundo contemporâneo. Vemos que as perspectivas e desafios brotam da luta diária desprovida de condições básicas de sobrevivência, direitos, saúde, educação e oportunidades de emprego, dentre outras.

Ensaio social da juventude: a juvenilidade como “lugar”

A juventude deve ser entendida dentro de um longo processo histórico. Na sociedade contemporânea entende-se seu conceito a partir da reflexão social e do seu lugar. Neste sentido, a questão tangente à vida social dos jovens passou a ser concebida como uma abordagem de interesse da sociologia e tornou-se objeto de reflexão e análise acadêmica. O panorama dos estudos sociológicos da juventude abrange diversas expressões no Brasil e no mundo. Sabe-se que existe uma abordagem social e uma histórica por trás de cada geração à luz da sua expressão juvenil. Este ensaio busca neste primeiro tópico apresentar elementos que apresentam o panorama e a trajetória do conhecimento intitulado “sociologia das juventudes”, de modo específico, a relação juventudes e pobrezas.

A constatação de que o meio social contribui significativamente para a formação das juventudes, sua história, formação e problemas direcionam a pesquisa da sociologia das juventudes. De acordo com a socióloga Helena W. Abramo (2005, p. 50) a noção de juventude pode ser considerada como uma categoria social. Traça-se quadros dos tipos de sociedade que permitem entender o fenômeno juvenil no contexto social. A formação e a fundação de grupos, tanto com influência nacional e internacional, no Brasil, marcaram profundamente as gerações juvenis com suas próprias trajetórias. De fato, tal influência parte do marco histórico de segmentação dos espaços na elaboração das identidades e das relações sociais dos jovens.

Existem alguns elementos relevantes que podem ajudar-nos a compreender as juventudes. Em cada época e lugar, no seu contexto social, se apresentam caracterizadas com os seus apetrechos e os seus jeitos de falar. Neste artigo, pretendo falar das juventudes urbanas e pobres. Na visão do sociólogo Juarez Dayrell, no Brasil, pode-se considerar que a “parcela da juventude brasileira que, majoritariamente frequenta as escolas públicas é formada por jovens pobres que vivem nas periferias dos grandes centros urbanos marcados por um contexto de desigualdade social” (DAYRELL, 2007, p. 1107).

Fruto de um meio social, a juventude é entendida como um processo de transição “que processa a passagem de uma condição social mais recolhida e dependente à uma outra mais ampla: um período de preparação para ingresso na vida social adulta” (ABRAMO, 1994, p. 11). A autonomia e a percepção da juventude se deu à medida que ela passou a ser vista como uma categoria social. De fato, o meio social interfere na transição e no reconhecimento dos jovens, influenciando o estágio juvenil de transição antecedente à entrada do jovem na vida social. As condições precedentes à vida social dos jovens refletem significativamente suas relações, comportamentos e interação no mundo adulto. Ou seja, a juventude que provêm das pobrezas no mundo contemporâneo está marcada, mas não condicionada por seu lugar de origem. Ressalta-se que:

Há no Brasil 49,8 milhões de jovens entre 15 e 29 anos (26,54% da população), dos quais 29,8% é considerado pobre (vivem em famílias com renda per capta de até meio salário mínimo). Do total de jovens, 4,8 milhões se encontram desempregados (são 60,74% dos desempregados do país), 19,8% não estudam e nem trabalham e 7,7% das mortes violentas ocorrem com vítimas entre 15 e 24 anos (SILVA & ANDRADE, 2009, p. 45 apud Flavio Sofiati 2013, p. 3).

Numa perspectiva geográfica social pode-se dizer que o lugar precedente da juventude está carregado de discursos e um modo próprio de se viver. Neste sentido, é importante também considerar a juventude como um lugar. Desta maneira, as mudanças trazidas pelo meio social marcam, mas não definem por completo, a personalidade juvenil. A ambiguidade do status social caracteriza uma série de elementos provocadores de crises nas juventudes. Um destes elementos é a cultura. Os jovens periféricos desenvolvem “rituais, símbolos, modas e linguagem peculiares, visando marcar suas identidades distintivas de outros grupos etários” (Ibid, p. 11) e outros grupos sociais.

Na sequência, se faz importante entender a juventude como lugar de categoria social, conforme já mencionado, além de um lugar de moratória. Por fim, retomando os aspectos juvenis e o surgimento dos grupos, no Brasil e no mundo, sobretudo os periféricos, faz-se necessária uma reflexão mais específica das relações entre juventudes e pobrezas no intuito de transformar a ordem social. Desvinculando da infância, encontramos uma juventude que busca sair da invisibilidade, mas, às vezes perdida. A partir daí, encontraremos jovens que tentarão se desvincular dos limites familiares, das estruturas escolares e dos padrões da tradição; que tentarão romper com a infância, subjetivamente e socialmente, na qual não se enxergam mais no mesmo lugar de antes, vivem uma transição insegura, sem referência e mudanças sociais num ambiente hodierno frente a sociedade líquida, como nos diz o sociólogo Zygmunt Bauman.

Adolescência e juventude na periferia: problematização da realidade social

Dom Helder Câmara dizia que o segredo da Juventude é doar a vida inteira por uma causa que valha a pena lutar. Este é o sonho de um profeta que não só em palavras, mas em obras, expressou ao mundo inteiro o seu compromisso com as juventudes. O lugar e a formação do jovem Helder Câmara certamente influenciaram sua opção preferencial pelos mais pobres. Formado pelos lazaristas, na Faculdade Católica de Fortaleza, vivenciou e imbuiu-se do espírito de São Vicente de Paulo, pai da caridade. Notamos que o itinerário por ele traçado, ao longo de sua vida, emana sabedoria e compromisso com a causa dos mais desfavorecidos, sobretudo com a juventude popular das grandes periferias urbanas.

Vivamente marcada pela desigualdade social, a juventude brasileira das periferias das grandes cidades é o objeto de estudo desta pesquisa. Como forma de identificação e luta, o lugar que ocupam na sociedade une os jovens. Os jovens produzem os seus projetos e suas intenções de acordo com a sua realidade e seu período histórico. Revestem-se de vocabulário próprio, estética e atitudes. Acredito que a juventude deva ser vista como espelho da sociedade, ou seja, olhar as juventudes é ver a sociedade e as tendências que existem no mundo.

  Entre os anos de 1960 a 1970 vê-se uma juventude marcada pela pauta social. Buscava-se políticas públicas para a juventude brasileira no que se refere ao processo de introdução do jovem no mercado de trabalho. O sonho com a vida na metrópole oferecia carona aos pioneiros migrantes do êxodo rural. A predominância da proposta de emprego, as possibilidades de vida digna e a socialização das juventudes nas capitais do país engendrava o ideal juvenil moderno. Em contraponto ao sonho juvenil, a realidade e o lugar social em quem se projetavam os jovens idealistas era outro. Não contemplando e nem consumindo as promessas idealizadas oferecidas pela visão das capitais trabalhistas e a progressão financeira social, os jovens passaram a ocupar outros lugares. Consequentemente a frustração e a desigualdade promovida pela falsa promessa do sistema converteram-se na ocupação de localidades periféricas das grandes metrópoles.

Os modelos atuais, frente às heranças sociopolíticas herdadas pelos jovens das periferias suscitaram a reflexão atual a partir da necessidade de resgatar o compromisso social e a vontade de recuperar a possibilidade dos jovens obterem o acesso básico a serviços e direitos próprios do tempo atual. É preciso enxergá-los como atores socialmente constituídos que trazem uma bagagem social e cultural. Neste sentido visibilizou-se amplamente as juventudes das periferias e a formação dos grupos diversos. A reflexão passou a ser a respeito da condição juvenil e a popularização da linguagem do cotidiano, sua psicologia e, sobretudo, o grau variado das culturas identitárias marcadas pelo capitalismo no mundo contemporâneo. Nos tempos hodiernos, a condição da juventude na periferia mudou. Cresceram-se os desencantos pela política e particularmente pela democracia [...] (Cf. DAp, n.77) diante das realidades sociais.

Há um convite: enxergarmos a realidade juvenil. Neste ponto de vista, ao considerar as realidades juvenis não é possível excluir do discurso os seus lugares de fala. Por isso, considera-se negligente não abranger integralmente o processo de mudança e o percurso das juventudes pobres hodiernas. Nesse ínterim, temos a tecnologia como um fator contribuinte que aponta direções para pensar a juventude no século XXI. Esta realidade direciona a pesquisa para um espaço antropológico, onde as pessoas sentem-se o centro da história e, não meramente comunicadores, deslocam-se do anonimato social para a interatividade da cultura digital. As redes sociais tornaram-se lugares de visibilização. O acesso a smartphones e internet facilitaram a comunicação e as relações juvenis num espaço virtual. Contudo estes espaços virtuais tornaram-se lugares também de fundamentalismos sem diálogos, areópagos para o antropocentrismo juvenil e fomentação para o discurso de ódio e intolerância social. Acentua-se, publicamente, as diferenças sociais e a legitimação da polaridade entre os jovens ricos e pobres.

A diversidade de rosto dos jovens como os camponeses, urbanos, indígenas, operários e marginalizados marcam o protagonismo juvenil brasileiro. Sabemos que alguns anos atrás permaneciam silenciados diante do contexto civil, social e eclesial. Com a tecnologia, emergiu o protagonismo jovem acentuado na cultura virtual. Se antes a juventude pobre e sua cultura era oprimida pela visão colonizadora, agora surge outro cenário. A cultura das periferias, sobretudo, o modo de ser das juventudes pobres negra, indígena, e outras expressões se tornam marcos deste século.

O ano de 2020 certamente pegou muitas pessoas de surpresa, pois ninguém imaginava a crise sanitária, humanitária, institucional, psicológica, religiosa e social que o vírus da Covid-19 causaria no mundo. A repercussão que gerou em diversos países, a busca e a prevenção através do isolamento, não só físico, como também social, afetou milhares de pessoas, governos e instituições, assim como as juventudes no mundo contemporâneo. Muitas vidas foram afetadas por esta pandemia, inclusive as vidas jovens, sobretudo as que vivem nas mais diversas realidades de pobres. E ainda que se faz presente o nosso carisma, ser presente entre os jovens mais pobres. O vírus contribuição para a evolução da desigualdade social juvenil. Entre as pesquisas recentes ilustram que, “41% dos jovens sofreram com redução ou perda total em sua renda pessoal devido à pandemia. O dado acima preocupa-nos e apresenta-nos um panorama geral que tem efeitos específicos quando se observa as questões raciais. Atualmente, pudemos perceber que entre os jovens que se declaram pretos, 45% sofrem com a perda na renda pessoal, enquanto entre os brancos, esse percentual é de 37%” (1).

A característica dos estudos juvenis, sobretudo para a juventude periférica latino-americana aponta para a urgência em reconhecer a Juventude como construtora da sua própria identidade. Estas juventudes requerem atenção e exigem participação. Luta nutritiva dos caminhos para o horizonte na história a partir de um acompanhamento juvenil. Isto abarca a investigação da conquista de direitos públicos, eclesiais, políticas e deveres dos jovens. Desta maneira, acredito que não podemos desconsiderar os estudos que analisem as violações e conquistas de direitos humanos das juventudes.

Conclusão

A intenção desta síntese, num primeiro momento, consistiu em apresentar um ensaio teórico a partir do tema exibido e de sua relevância para a pesquisa a respeito das juventudes nos tempos atuais. Os elementos abordados nesta pesquisa apontam para uma relevância teórica e prática necessária no campo dos estudos das juventudes, sobretudo com os mais pobres. O ensaio apoia-se na produção acadêmica bibliográfica da atualidade que permite dialogar com o perfil dos jovens e o lugar de fala (2) dos jovens na sociedade.

Refletir sobre as situações das juventudes no mundo contemporâneo, como jovem vicentino, faz-me ressaltar a intenção da introdução desta escrita, sobre a necessidade da compreensão das realidades sociais e das pobrezas atuais, a partir da ótica juvenil. Em segundo plano, fizemos uma abordagem das questões voltadas para o lugar das juventudes no âmbito do trabalho, da educação e da formação das consciências das juventudes na periferia. Nesta mesma perspectiva, fizemos no fim um adendo, ou seja, na tentativa de atualização da pesquisa, consideramos importante trazer elementos contemporâneos para o trabalho diante do novo cenário juvenil mundial frente à Covid-19.

Desta maneira, acredito ser necessário nos fazermos próximos dos jovens, “o agora de Deus”, como diz o Papa Francisco. Por isso, convido-os a olhar para o testemunho dos jovens santos da nossa Família Vicentina, fazer presença no itinerário mistagógico juvenil de nosso tempo, de maneira que sejamos um carisma jovem “que serve, que sai de casa, que sai dos seus templos, que sai das suas sacristias, para acompanhar a vida, sustentar a esperança, ser sinal de unidade (…) para lançar pontes, abater muros, semear reconciliação (FRATELLI TUTTI, n. 276). Sendo assim, acredito ser urgente o aprofundamento e a nossa compreensão do mundo dos jovens, estes que são membros importantes de nosso carisma.

Notas

(1) Disponível em: https://www.futura.org.br/juventudes-e-a-pandemia-do-coronavirus/

(2) DJAMILA, Ribeiro. O que é o lugar de fala? Ed. Letramento, Belo Horizonte-MG, 2017

Referências Bibliográficas

.ABRAMO, Helena Wendel & LEÓN, Oscar Dávila. Juventude e adolescência no Brasil:
referências conceituais. São Paulo: Ação Educativa: 2005.

.DAYREL, JUAREZ L. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1105-1128, out. 2007.

.DEBERT, Guita Grin. A dissolução da vida adulta e a juventude como valor. Horizontes
Antropológicos, v. 16(34), 2010, p. 49–70.

.FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti. São Paulo, Paulus, 2020.

.SOFIATI, Flávio M. (2013) Juventude e políticas públicas: os governos de FHC e LULA. In: Heloisa Dias Bezerra; Sandra Maria de Oliveira. (Org.). Juventude no século XXI: dilemas e perspectivas. Goiânia-GO: Cânone Editorial, p. 131-150.

.GROPPO, Luis Antonio. Introdução à Sociologia da Juventude. Jundiaí: Paco Editorial, 2017, pp. 139-149.

.PRADO, Antônio Ramos do Prado. Cultura Juvenil: perspectivas e desafios para novos tempos. Paulus, São Paulo: 2014.

.SILVA, Enid R. A da & ANDRADE, Carla C. de (2009) A política nacional de juventude: avanços e dificuldades. In CASTRO, Jorge Abraão (et. all.) (org.) Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília: IPEA.

 

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