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Querido amigo Pe. Luiz 28 de Fevereiro de 2023 Pe. Vinícius Augusto Ribeiro Teixeira, CM
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Ontem à noite, meu último ato foi enviar uma mensagem para saber como o senhor tinha passado o dia no hospital. Hoje cedo, a primeira notícia que recebi foi a de sua passagem para o Dia eterno, o que me permitiu tê-lo presente na Eucaristia que acabo de celebrar. Confesso que o sentimento que me invadiu foi o de quem se despede de alguém que lhe é muito próximo e por quem se nutre uma afeição profunda e sincera. E era mais ou menos assim que nos despedíamos cada vez que eu tinha que voltar para a Europa. E isso talvez porque, tendo o senhor escalado as alturas dos 90 anos, já não pudéssemos desconsiderar a possibilidade de que aquela fosse a última vez que nos veríamos e abraçaríamos nos percursos da vida terrena. E assim se deu na tarde do dia 9 de novembro de 2022, quando o senhor me perguntou com voz trêmula: Até quando? E eu lhe respondi, não menos comovido: Até breve. Ao que o senhor reagiu: Se eu ainda estiver por aqui...

E eis que, de fato, o senhor não está mais entre nós. Chegou o momento de dizer-lhe adeus, ou melhor, a Deus, Pe. Luiz! E isso, certamente, inclui o até breve de nossa esperança derradeira. Sim, somos pessoas de esperança porque recebemos a luz da fé. E é com ela que nos colocamos diante da vida e também da morte, ou seja, como quem crê no Cristo Ressuscitado, o mesmo que se dirigiu ao Pai com estas palavras: “Aqueles que me deste quero que, onde eu estou, também eles estejam comigo, para que contemplem a glória que me deste” (Jo 17,24). E a razão última dessa promessa de plenitude reside precisamente naquilo que lemos no Ofício de hoje: “Não foi por necessitar de nosso serviço que Deus nos mandou segui-lo, mas para dar-nos a luz e a salvação, pois seguir o Salvador é participar da salvação e seguir a luz é receber a luz. Aos que o seguem e servem, Deus concede a vida e a glória eterna” [Santo Irineu (séc. II)].

É verdade, Pe. Luiz (ou tio Luiz, com o chamávamos no calor da vida comunitária). Conhecemos de perto seus limites. E o senhor também conheceu os nossos. Mas nada se sobrepõe à gratidão por tudo o que vivemos em sua companhia e por tudo o que recebemos de sua solicitude. Gratidão por sua vida tão longeva, por sua entrega generosa ao Senhor, por todo bem realizado ao longo de seus anos, pelo dinamismo e pela criatividade com que abraçou os muitos ministérios que lhe foram confiados, por sua capacidade de criar laços de comunhão, por sua atenção aos amigos, por sua memória prodigiosa, por seu bom humor, etc. Certa vez, escutei que só envelhecem aqueles que se levantam sem projetos e se deitam sem esperanças. Se for realmente assim, o senhor soube conservar como poucos a jovialidade da alma, coroando sua fecunda ancianidade com o diadema da fé, tal como os cedros do Líbano que florescem nos átrios da casa de Deus ou os justos que “mesmo no tempo da velhice dão fruto, cheios de seiva e de folhas verdejantes” (Sl 92,13-14).

De minha parte, sinto-me verdadeiramente agraciado e agradecido pela dádiva de nossa amizade, cultivada sobretudo nos 4 anos de nossa convivência mais intensa a serviço da Paróquia São José do Calafate, partilhando esforços, preocupações e responsabilidades. Posso dizer que desfrutei de sua proximidade fraterna, aprendi de sua experiência sacerdotal, recebi de sua cooperação pastoral, enriqueci-me com nossas conversas descontraídas, ri muito ouvindo suas histórias, etc. Livre de saudosismos, o senhor foi um bom companheiro para meus primeiros anos de pároco. Estando já aqui, do outro lado do Oceano, lembrei-me de nosso convívio e colaboração ao ler o que menciona o Papa Francisco no n. 201 da Exortação Christus vivit: “A Igreja é como uma canoa, na qual os idosos ajudam a manter a rota, interpretando a posição das estrelas, e os jovens remam com força, imaginando o que os espera mais além”. E como não dizer ainda muito obrigado pela gentileza com que me recebia cada vez que me hospedava no Calafate, considerando-me e fazendo-me sentir um membro da comunidade local. Sinto-me confortado por não ter deixado de expressar esses mesmos motivos de gratidão por ocasião de seu aniversário de 90 anos. Afinal, como escreveu o poeta Virgílio, “enquanto o rio correr, os montes fizerem sombra e o céu tiver estrelas, deve durar a memória do benefício recebido”.

Bem, é hora de terminar. Já me excedi e sei que o senhor não apreciava textos ou discursos longos. Quis apenas renovar-lhe meu afeto, minha gratidão e minha amizade. O senhor partiu depois de ter visitado sua querida Paróquia da Asa Norte (Brasília) e de ter reencontrado amigos e amigas que lhe são muito caros. Nos poucos dias de sua internação hospitalar, não lhe faltou a diligente assistência dos Coirmãos, inclusive daquele a quem um dia o senhor recebeu junto às fontes do Batismo. Consta ainda que, pouco antes de falecer, o senhor recitou a Ave Maria, a mesma que cadenciava seu rosário de todas as manhãs. Quantas vezes o senhor terá repetido: “Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte...”. E a Mãe Imaculada, assim como esteve ao seu lado na peregrinação da vida, também o acompanhou na hora em que ela chegou ao fim, tonificando sua fé, acalmando sua inquietude, reavivando sua esperança, mostrando-lhe Jesus. E assim será, também para nós, quando o sol se apagar nos lampejos do crepúsculo da existência: na penumbra da noite, resplandecerá um rosto materno, cuja ternura infinita nos fará recordar aquele outro rosto que foi o primeiro a contemplar-nos entre sorrisos e lágrimas quando chegamos ao mundo. Então, a piedade da Mãe nos fará descansar na misericórdia do Eterno e nasceremos, enfim, para a Vida que não termina. Até lá, querido Pe. Luiz!

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